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Discurso do Presidente da República na Cerimónia que assinalou a atribuição da nova designação oficial do Aeroporto de Lisboa como Aeroporto Humberto Delgado

Seria muito simples, mas muito pobre, afirmar que atribuir o nome de Humberto Delgado ao Aeroporto da Portela de Sacavém representa o reconhecimento do seu mérito único como pioneiro da aviação em Portugal e até como inspirador do arranque deste Aeroporto na década de 40 do século passado.

Seria muito simples, por ser verdadeiro, e, só por si, explicar uma homenagem, largamente devida a V. Ex.ª Sr. Primeiro-Ministro, que o tempo tornou mais premente.

Mas seria muito pobre, como, aliás o disseram já, de forma eloquente, todos quantos me antecederam.

O mais importante e mesmo mais fascinante em Humberto Delgado é o modo como ele atravessou dois regimes, ambos como precursor e se impôs a todos os quadrantes da vida nacional, apesar de todos eles, nalgum momento, o terem apostrofado ou ostracizado.

E, no entanto, há nesse dramático percurso, o seu e o dos que com ele se cruzaram, uma realidade que dá sentido ao que parece complexo e difícil de entender: a personalidade fulgurantemente indomável de um homem livre, que amava a liberdade e com ela e por ela voava tão alto quanto os aviões que pilotou e a aviação de que foi um pertinaz pioneiro.

Humberto Delgado era um visionário de uma liberdade absoluta. Tão absoluta que, à míngua de a entenderem, o apelidaram de todos os qualificativos que o dicionário encerra para minimizar ou depreciar o que sonhava ou escolhia para causa em cada momento. E apelidaram muitos em algum instante. Porque o não percebiam e o não conseguiam enquadrar.

Livre. Totalmente livre. Corajoso. Com a coragem de afirmar. Mas com ainda maior coragem física. Afrontando tudo e todos, como no obviamente, demito-o, ou no avançar, isolado, para as forças policiais ou erguer-se em carro aberto, peito aberto aos muitos que lhe não perdoavam a rutura.

Solitário. Porque não tinha partido. Nem estruturas políticas ou militares estabilizadas e duradouras. Arrastava multidões. Mas essas, eram reprimidas ou tolhidas pela ditadura ou mais depressa olhavam à prudência das regras adotadas para lhe resistir.

Seduzia pelo desprendimento, vindo da independência. Mas, um e outra, soavam a incómodos para os que, dos vários lados, haviam aspirado a usar o seu nome sem terem de acompanhar os seus arroubos.

Numa palavra, este homem atravessou regimes e tornou-se consensual. Porque era, de facto, singular! Na força anímica. Na coragem. Na liberdade. Na independência. Na determinação inquebrantável!

Acabou por se impor, apesar de ter vivido num tempo em que os dois hemisférios políticos tinham os seus líderes incontestados. A direita ditatorial o seu mentor e duradouro governante. A esquerda oposicionista o seu mais poderoso e também duradouro líder.

Ele, que não era nenhum dos dois, determinou o começo do fim de um e viria a lançar as raízes de espaços complementares a outro.

De tal forma que, ao romper o 25 de Abril, Humberto Delgado era referência inquestionável para quadrantes tão diversos como socialistas, sociais-democratas, liberais, sociais-cristãos, comunistas e militantes em partidos de esquerda revolucionária.

Passaram cem anos sobre o seu nascimento.

E é simbólico que seja um Governo de esquerda, porventura o mais à esquerda nos seus apoios dos últimos longos anos, a decidir e um Presidente da República de centro-direita, a dar a chancela a uma homenagem, que, assim, retrata uma vida e uma obra.

Une-nos, a todos, a evocação de um vulto decisivo para o que viria ser aviação, aeroporto, transportes aéreos portugueses, aeronáutica militar.

Mas, une-nos mais ainda a memória invulgar de um homem invulgar. Que recolhe um consenso amplíssimo numa Democracia, que, tantas vezes exige a moderação dos rigorosos, a prudência dos gestores, o cuidado dos previsíveis, mas que precisa para mobilizar, apaixonar, fazer sonhar o acicate dos arrojados, o destemor dos desinstalados, o risco dos pioneiros.

Sem os rigorosos, gestores, previsíveis, as Democracias podem perder-se por falta de sustentabilidade. Mas sem os arrojados, sonhadores, pioneiros, elas nunca teriam nascido ou renascido.

Humberto Delgado fez nascer e renascer em tempos diversos e foi um arrojado sonhador pioneiro da nossa Democracia. É justo que a Democracia lhe agradeça, atribuindo o seu nome a um aeroporto que ele ajudou a lançar, muito antes de ter corrido o risco supremo – o da própria vida – para que pudéssemos viver livre e democraticamente em Portugal.

O Presidente da República Portuguesa testemunha solene e respeitosamente essa indelével gratidão!