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Intervenção do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Prof. Doutor Manuel Sobrinho Simões

Confesso que gostei muito, mas mesmo muito, do convite do Senhor Presidente da República para presidir à Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas neste ano em que as bases logísticas são o Porto e o Brasil.

Como muitos dos amigos presentes na audiência sabem – e agradeço-lhes do coração a presença – como muitos sabem, dizia, é impossível arranjar quem goste mais do Porto e do Brasil do que eu. Arranjar quem goste tanto, pode ser. Mais, é impossível.

O dia 10 de Junho foi escolhido para estas Comemorações por se pensar que Camões terá morrido nesse dia, em 1580, ano em que Portugal passou a ter, como Rei, Filipe II de Espanha. Dizia-se que a morte de Camões se associara à morte da Nação. Felizmente não foi assim pois Portugal reconquistou, com brio, a sua independência em 1640.

Neste dia comemoramos os portugueses estejam onde estiverem e estando no Brasil comemoramos portugueses, brasileiros e muitos milhões de luso-brasileiros. Luso-brasileiros de hoje, de ontem e de há muitos anos. Por exemplo, no meu caso, e perdoem-me a personalização, o estudo dos meus gens revelou que tenho cerca de 90% de linhagens europeias, não tenho linhagens asiáticas, e tenho cerca de 3% de linhagens africanas subsarianas e 8% de linhagens ameríndias. Oito por cento de linhagens genéticas ameríndias a traduzir um ou mais ascendentes que viveram no Brasil e levaram filhos ou, mais provavelmente, filhas, para Portugal. Isto é, tenho mais ascendência ameríndia do que muitos participantes nesta cerimónia espantosa de luso-brasileirismo. Quem sabe tenho mais percentagem de linhagens ameríndias que uma amiga do coração, a Dr.ª Ierecê Aymoré, notável patologista óssea, nada e criada no Amapá, e um ser humano de eleição.

O meu exemplo, como o de muitos outros portugueses, mostra bem que a mistura genético-cultural não é exclusiva dos brasileiros. É partilhada pelos portugueses, embora haja uma diferença de escala. Como dizia Eça de Queirós, os portugueses são a semente e os brasileiros o fruto.

Mas lá que somos dois povos únicos no mundo pela diversidade genético-cultural, lá isso somos. E criámos sociedades com muitas e variadas gentes, de comportamento plástico, tolerantes em termos religiosos, avessas aos extremismos pseudo-identitários que irrompem um pouco por todo o lado

Apesar da variedade genético-cultural há elementos comuns de que a língua é o mais importante, logo seguida pela afetividade e a cultura.

A língua é mesmo um elemento importantíssimo e nunca mais se esquece quando na floresta amazónica, ou no sertão nordestino, se ouve uma mãe a chamar Fátima à filha e a falar com ela em português. Tão pouco se esquece a desconfiança do miúdo que nos guiou em Lençóis na Chapada Diamantina ao perguntar-me “Onde aprendeste a falar português?”. E quando eu o interroguei “porque é que perguntas isso?”, me respondeu “É que falas um português embolado” (Um parêntesis para dar conta de que nos sentimos bastante humilhados quando nos perguntam se somos argentinos). Isto é, a língua portuguesa é constituída por muitas “sublinguas” a traduzir, mais uma vez, a diversidade genética-cultural das nossas populações.

O mesmo se passa em relação à língua escrita. Fiz peregrinações ás casas e aos lugares de culto de Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e em todos eles me emocionei com as diferentes atmosferas e as diferentes “línguas” . Como também me emocionei quando fui de ónibus a partir de Belo Horizonte ver a casa-e-tenda, em Cordisburgo, onde nasceu Guimarães Rosa, um dos meus escritores favoritos, cultor de um português extraordinário mas diferente do de Machado de Assis, Eça ou Saramago.

Não vou estar a aborrecê-los com as minhas emoções em terras brasileiras mas não calculam o que é serpentear nos canais de Florianopolis e encontrar a cultura e os bordados açorianos, passear em Belem e ver as padarias de compatriotas escondidas pelas mangueiras ou ir aos sítios mais modernos, como o Inhotim em Minas, e sentirmo-nos sempre em casa. Pelas “línguas”, pelos afetos e pelas culturas.

O desafio, agora, é juntar a este conjunto notável de “subjetividades”, a vontade de fazer, e fazer bem, com seriedade e competência.

Temos uma longa e frutuosa experiência de colaboração com instituições brasileiras no domínio da medicina em geral e da patologia em particular. A nossa colaboração iniciou-se em 1980 mas só se desenvolveu, a sério, a partir dos primeiros anos da década de 90. Desde essa altura tivemos várias centenas de estagiários brasileiros (cientistas, residentes e especialistas) no Porto e dezenas de interações profissionais e académicas por todo o Brasil.

No que diz respeito especificamente ao Rio de Janeiro estamos numa fase de reativação das colaborações com o Instituto Nacional de Cancer (INCA), a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense, entre outras instituições. Tenho também muito gosto de ser Membro Honorário Estrangeiro da Academia Nacional de Medicina do Brasil que tem a sua sede no Rio e de sermos colaboradores persistentes da Sociedade Brasileira de Patologia, com quem organizámos os dois primeiros Congressos Intercontinentais de Patologia. O primeiro, em 2000, na Ilha da Madeira e o segundo, em 2004, na Foz do Iguaçu.

Tenho a certeza que o modelo de colaboração luso-brasileira do futuro, não só na medicina como em muitas outras áreas, passa pela potenciação de sinergias estabelecidas com base nas relações interpessoais e interinstitucionais. Será uma colaboração alicerçada na qualidade das pessoas e dos projetos, virada para a competição internacional e assente em modelos com avaliação independente e recompensa ao mérito.

Para além dos bons exemplos na área da saúde e em outras áreas como as engenharias, gostaria de terminar com o que penso poder ser usado como uma metáfora do futuro da colaboração luso-brasileira. Refiro-me ao Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, que visitei há um par de anos e me proporcionou um orgulho imenso. O museu foi desenhado por Álvaro Siza (para nós, Siza Vieira) e é um edifício mágico, de uma beleza inacreditável. Foi feito por um português, portuense e amigo de longa data, num país que tem dos melhores arquitetos do mundo. (E sei do que falo pois já fiz vários “tours” perseguindo as obras de Niemeyer por todo o Brasil). Repito, o Museu Iberê Camargo é uma metáfora expressiva do que deverá ser a colaboração luso-brasileira do futuro.

Estou feliz por estar entre amigos e por ter tido a oportunidade de falar da minha fixação pelo Brasil. Estou convencido que a circunstância de ter uma grande percentagem de linhagens genéticas ameríndias não contribuiu para esta minha ligação, mas é uma razão adicional para agradecer ao Senhor Presidente da Republica ter-se lembrado de mim para presidir à Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho.

Muito obrigado Prof. Marcelo Rebelo de Sousa por me ter convidado e muito obrigado, minhas Senhoras e meus Senhores, por me terem escutado.