“O verdadeiramente fascinante em Adriano Moreira é que, há muito, entrou na História apesar de toda a sua vida ter sido feita de desencontros históricos. Chegou sempre cedo demais ou tarde demais a esses encontros.
Cedo demais. Quando, vindo de Trás-os-Montes profundos, ostensivamente orgulhoso das suas raízes, subiu os degraus da vida, se fez estudioso, e académico, e a Academia que primeiro o acolhera o desperdiçava, e à sua criatividade escrita e oral e à sua ilimitada doação ao trabalho. Por razões que, ela própria, viria a abandonar tempos volvidos.
Cedo demais. Quando sonhou converter uma escola de quadros coloniais, depois ultramarinos, em Academia tão nobre quanto outras de outros tempos. E teve de encontrar atalhos e esperar pacientemente para que o óbvio acontecesse.
Cedo demais, quando se lançou, pioneiro, em domínios da Ciência Política, das Relações Internacionais, da Geoestratégia prospetiva. E foram precisas décadas até se entender como antecipara o futuro.
Cedo demais, quando intuiu, na sua militância rebelde de juventude, que os regimes ou se adiantam na mudança ou morrem; e morrem comatosamente sem glória nem esperança. E assistiu, impotente, à consumação do que marcou a sua e a nossa vida coletiva.
Cedo demais, quando viu, e viu com clareza, como os Impérios depressa passam da nostalgia de eras transcorridas para destinos não vislumbrados nem assumidos como inevitáveis. E, debalde, sonhou abrir avenidas para o pós-Império, antes de ele chegar à margem dessas avenidas.
Cedo e, ironicamente, também tarde demais, quando jovem governante, quis reformar Política e Direito Coloniais e Ultramarinos, e, para muitos, o que trazia era rutura em excesso, e, para muitos outros, aportava com, pelo menos, uma década de atraso.
Cedo e tarde demais, quando irrompeu, nos seus quarenta anos de idade – contrastantes com a anciania do poder instalado. Cedo demais, porque não tinha os pergaminhos do cursus honorum do regime, nem a rede de lealdades no seu seio, nem a aquiescência de um líder, que encontrara na guerra o argumento moral e vocal para continuar, como se o tempo fosse eterno e tudo à sua volta acompanhasse esse seu tempo fora do tempo.
Tarde demais, porque outros – ideias, projetos, factos, pessoas, existiam ou se faziam para o dia seguinte, não esperando por uma charneira já improvável, por uma transição já inviável.
Chegara cedo demais para um Status quo parado na sua solidão. E tarde demais para a mudança que decifrava, mas cada vez mais intuía já não contar com o seu papel determinante.
Ainda assim, refez-se na Academia, no Brasil e em Portugal. Ainda assim, viu reparadas miopias, injustiças, esquecimentos. Ainda assim, pôde – caso único – liderar formação política em regime bem diverso daquele a que se opusera jovem e no qual fora, em posição cimeira, do mais inteligente, do mais brilhante, do mais sedutor, em lances essenciais. Mas, já era tarde. Tinham passado vinte e cinco anos. Mundo, Mundo de fala portuguesa, Europa, Portugal eram, irreversivelmente outros.
E foi assim que alguém, como poucos, fadado para a Chefia do Estado ou do Governo, ou missões internacionais de tomo, se desencontrou com esses destinos.
E foi assim que, mesmo desencontrado com a História, nela entrou há meio século, ou talvez mais. Nela entrou, nela ficou, nela ficará para sempre. A própria História se faz desses sortilégios.
Há quem se encontre com ela e nela não entre, não deixe traço, a não ser o de uma cronologia, de um apontamento sumário, de um aceno breve, ainda quando reconhecido.
Com Adriano Moreira, a História acolheu-o bem antes de a Providência ou o Fado lhe terem proporcionado o mais raro do raro – viver e tão intensamente que se pôde permitir o por todos invejável – ser o último a contar o que viu e viveu, sem a possível contradita dos contemporâneos.
Mas Adriano Moreira, além desse privilégio comparativo, foi sempre impar no pensamento, na oratória, na conquista das almas, na natural adesão dos alunos, discípulos, seguidores, na intuição do essencial, na conjugação de valores com realidade, no equilíbrio entre o enigma que reforça o mito e a empatia que suscita a emoção, na confirmação da certeza que tinha e tem do seu ascendente com uma sábia humildade, misto de uma sincera modéstia do seu ser com uma subtil e fina capacidade de enlear pessoas e chamá-las à identificação afetiva.
Em suma, traços de génio, tantas vezes recoberto pela antiga presciência acerca da inveja portuguesa, de que falava o Embaixador Rodrigo Sousa Coutinho na sua carta ao Rei Luís XV.
Não é, porém, apenas por ter, há muito entrado na História, na nossa História Portuguesa, que hoje aqui estamos. Aqui estamos para lhe dizermos, de viva-voz, como lhe agradecemos tudo o que fez, tudo o que faz, pelas nossas Forças Armadas, pela nossa Língua, pela nossa Cultura, pela nossa Portugalidade.
Neste momento não há nem direita, nem esquerda, nem civis, nem militares, nem apóstolos das suas lutas, nem críticos de algumas das suas atitudes, nem antigos, nem novos, nem novíssimos, nem conhecedores de há tempos sem fim – nos quais me conto, colega de carteira que foi de meu Pai, há quase um século –, nem recém-vindos ao seu convívio.
Há, tão somente, Portugueses!
E são esses Portugueses que lhe agradecem em nome de Portugal!”