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Discurso do Presidente da República na Sessão Solene Comemorativa do 49.º aniversário do 25 de Abril

Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro e demais membros do Governo,
Senhor Presidente António Ramalho Eanes,
Senhores Presidentes dos Tribunais Superiores,
Senhores Embaixadores,
Senhor Presidente da Associação 25 de Abril, na sua pessoa, saúdo calorosamente, uma vez mais, os Capitães de Abril,
Ilustres Convidados,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,
Portugueses,

Entramos hoje no 50.º ano até ao 25 de Abril de 2024, tempo de evocação, tempo de reflexão crítica, tempo de esperança, tempo de partilha. Em 25 de Abril de 2024 se falará do tempo do futuro, dos 50 anos pela frente.

Tempo de evocação.

Evocamos esse momento singular na história portuguesa, de fim do Império, de fim do Regime Ditatorial, de abertura de caminho para a Democracia e para a Liberdade. E digo bem, para a Democracia e para a Liberdade, porque, para a maioria esmagadora dos portugueses, a Liberdade não nasceu em 1820, não nasceu com a Monarquia constitucional ou com a Primeira República, acabou por nascer com o 25 de Abril e com a própria Democracia.

Um momento só possível quando foi e como foi pela coragem dos determinados e valorosos Capitães de Abril. Bem hajam.

Mas também tempo de reflexão crítica.

Em rigor a reflexão crítica ocorre todos os anos, pelo menos, pelo 25 de Abril, mas neste começo de 50.º ano, há mais razões para nos debruçarmos sobre essa reflexão. Porque há muito quem em Portugal, sinta que o 25 de Abril ficou incompleto, ficou imperfeito, está por cumprir, não corresponde aos sonhos do passado ou aos anseios do futuro. Uns porque, em rigor, teriam preferido que não tivesse existido o 25 de Abril. Por aquilo que perderam aqui ou nos territórios africanos, ou porque têm, certa ou errada, a imagem do período pré 25 de Abril que corresponderia, se não aos seus sonhos, pelo menos a muitas das suas expectativas e anseios.

E a esses, cuja saudade e nostalgia se respeita, há que dizer que o tempo não volta para trás, e aquilo que veem como tendo sido o 24 de abril, em muitos dos seus traços globais, verdadeiramente não existiu, é um refazer da História. Quem como eu pôde viver o fim do Império aqui e nas lonjuras desse Império, e observar não só de fora, mas por dentro o fim da Ditadura, sabe que a realidade era outra. Que a realidade era uma Independência da Guiné-Bissau, reconhecida por muitos mais países do que aqueles poucos que apoiavam Portugal. Sabe que a situação político-militar em Moçambique era extremamente grave e depois desesperante nos últimos anos que precederam 1974. Sabe que a ditadura estava exausta, já não tinha conseguido, ainda em Salazarismo, sequer o mínimo de renovação. Falhara depois, na liberalização. Isso mesmo o disse Francisco Sá Carneiro ao falar na liberalização bloqueada. Dera passos tímidos, no sentido do desenvolvimento e do acordo comercial com a Europa, mas não no sentido da plena integração europeia. Continuava, se não mesmo agravava, a atuação repressiva e o sacrifício das liberdades, também por causa da situação militar. E, sobretudo, o seu principal bloqueamento reconduzia-se a isto: ter milhares e milhares de Homens, anos sem fim, a cumprir missões decididas por outros, missões que não tinham futuro político. Essa era a realidade traduzida, aliás, no afastamento dos dois mais prestigiados Chefes militares e nos pedidos de demissão do Chefe do Governo, mais do que um nos últimos tempos, antes do 25 de Abril.

Mas há aqueles que consideram que o 25 de Abril de hoje, não só é imperfeito, como é frustrante, por razões que não se prendem com um regresso a um passado impossível. Tem a ver com o 25 de Abril que sonharam, que os mais velhos sonharam, e que se não concretizou ou apenas se concretizou em parte. E têm alguma razão, porque, em todas as revoluções, não houve uma revolução, houve várias revoluções. E essas revoluções conheceram sucessos diferentes em tempos diferentes.

A Revolução de António Spínola era ou foi diferente da Revolução de Francisco Costa Gomes, a Revolução de Francisco Costa Gomes diferente da Revolução de António Ramalho Eanes, a Revolução de António Ramalho Eanes diferente da Revolução de Vasco Gonçalves, a Revolução de Vasco Gonçalves diferente da Revolução de Otelo de Saraiva de Carvalho ou de Ernesto Melo Antunes ou de muitos outros Capitães de Abril.

Cada um sonhava ou sonhou, em algum momento, durante o Processo Revolucionário, com um 25 de Abril diferente, e se passarmos para os pais civis da Democracia portuguesa, o 25 de Abril e a Revolução de Álvaro Cunhal foram diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Mário Soares, diferentes da Revolução e do 25 de Abril de Francisco Sá Carneiro e diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Diogo Freitas do Amaral.

E como em todas as revoluções ou ruturas, há umas que triunfam e outras falham, normalmente nunca de forma total, são vencidas parcialmente, é natural que muitos, dos que formaram ou aderiram àquela frente nacional para abrir caminho para um novo regime, sintam que a sua visão própria ficou por concretizar.

E o mesmo se dirá da Constituição. Uma coisa foi a Constituição, que eu tive a honra de votar como muitos outros, em 1976, outra bem diferente foi a revisão dessa Constituição em 82 ou em 89 ou em 97, só para referir as mais profundas. Duas das quais acompanhei de muito perto. Era a mesma Constituição em termos formais, e em muito da sua substância, mas ficaria profundamente alterada pelo termo do período de transição política em 82, e ainda mais em matéria económica e social em 89 e 97. Uns tinham vencido e outros tinham perdido.

E o mesmo se passou por cada eleição Presidencial, por cada eleição parlamentar, por cada Primeiro-Ministro, por cada Presidente de Governo Regional ou Autarca. As soluções variaram. E ao variarem as visões do 25 de Abril e, sobretudo, as suas concretizações, uns ganhavam, outros perdiam.

Houve Presidentes de Direita com Governos de Direita e com Governos de Esquerda, Presidentes de Esquerda com Governos de Esquerda e Governos de Direita e houve ganhadores e perdedores. E a concretização dos sonhos de cada ato eleitoral, também ela foi uma concretização, que, muitas das vezes, ficou largamente frustrada. Nuns casos tendo levado à permanência da Legislatura, noutros, mais raros porque mais pesados, à sua redução.

Ansiava-se e anseia-se por ainda melhor Democracia.

Ansiava-se e anseia-se por mais crescimento, por mais igualdade, por mais justiça social, por melhor educação, por melhor saúde, por melhor habitação, por melhor solidariedade social, por mais ambiente, visão intergeracional, papel da mulher, desempenho de jovens e de setores excluídos ou ignorados da sociedade, por menor pobreza e falta de coesão social e territorial, esse flagelo que, infelizmente, marcou todos os períodos, mesmo os períodos de maior expansão dos últimos 50 anos. Nunca conseguimos reduzir a menos de um milhão e meio o número de pobres.

Ansiava-se e anseia-se porque faz parte da lógica da Democracia, e é imposto pelo conjunto de desafios que se têm sucedido a ritmo extremamente acelerado, o haver sonhos, aspirações ou tão só expectativas, e em muitos casos, a não realização desses sonhos, dessas aspirações e dessas expectativas, desiludindo, desapontando, frustrando. Para as gerações de 70 ou de 80, como, talvez ainda mais, para as do fim do Século e destes vinte anos de Século XXI. Nuns casos, nos menos jovens, por parecer uma vida perdida. Noutros, nos mais jovens, por parecer uma vida sacrificada à partida.

Mas este é também um tempo de Esperança.

Esperança porque a Liberdade e a Democracia, mesmo quando nos trazem muitas desilusões, a sensação de tempo perdido, de adiamento, nos dão sempre a esperança que a Ditadura não tolera, que é a esperança na mudança. Em Ditadura ou se está pela Ditadura, ou se combate e derruba a Ditadura. Em Democracia há sempre a possibilidade de criar caminhos diversos, sempre. Pode demorar tempo a surgir, podem ser insuficientes, podem ser imperfeitos, mas existem sempre, existiram sempre ao longo destes 50 anos.

A Liberdade e Democracia permitiram e permitem que a maioria esmagadora desta Câmara, como do povo português, apoiasse e apoie, sem qualquer hesitação ou dúvida existencial, a Ucrânia e o povo ucraniano, agredido de forma bárbara e em valores e princípios fundamentais, mas ainda assim houvesse vozes, claramente minoritárias, dissonantes.

A mesma Liberdade e Democracia, permitiram que dois pais dessa Democracia, Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral, tivessem desfilado nas ruas contra a posição norte-americana, nosso antigo aliado, relativamente à intervenção no Iraque. E ontem, como hoje, há quem concorde e discorde, relativamente às atuações internas ou às posições externas. E se tenha manifestado ou manifeste. Um, cem, mil, dez mil, cem mil, trezentos mil. O número real ou sonhado não é o essencial. O dos que aparecem e o dos milhões que não aparecem, mas pensam diferente, agem diferente, escolhem diferente, entre si. Este pluralismo é crucial. Faz parte da essência da Democracia e em Ditadura nunca haveria. E é essa a razão da nossa esperança.

É o sabermos que verdadeiramente, o supremo Senhor do 25 de Abril, da Liberdade e da Democracia, e por isso efetivo garante da estabilidade, se chama há cinquenta anos, POVO. E o POVO vai escolhendo com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e com boa educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer. E mudando, quando entende que deve mudar, ou mantendo se entende que deve manter, nem que seja para se arrepender por quanto inovou ou manteve, algum tempo volvido.

Mas este é também um tempo de partilha.

É um tempo de partilha, porque este 25 de Abril tem de especial o nós podermos ter tido connosco alguém que representa a primeira das primeiras descolonizações de Portugal. Esse alguém foi recebido, há uma hora e meia, numa sessão solene e é o Presidente da República Federativa do Brasil. O simbólico representante de uma Pátria Irmã e não apenas ou sobretudo o titular de cada instante histórico. Ademais eleito por quem tinha direito a elegê-lo, o povo brasileiro, e não outros povos ou partes maiores ou menores de outros povos.

E o que importa, antes do mais, é que nós percebamos porque é que a Assembleia da República viveu hoje, aqui, uma coincidência tão feliz, derivada dos 523 anos sobre o dia 22 de abril que assinalou o momento primeiro do contacto português com o território brasileiro.

O 25 de Abril começou por existir por causa da Descolonização, os Capitães de Abril entenderam que não fazia sentido manter uma guerra, em que cumpriam a sua missão, mas não percebiam com que objetivo, com que horizonte, com que fim. O fim era traçado por outros, pelos decisores políticos. E, portanto, faz todo o sentido, o encontro de hoje, que é um encontro de sempre. Precisamente porque uma das componentes nucleares do 25 de Abril, se chamou Descolonização, e faz sentido termos tido este ano, entre nós, quem foi pioneiro, quem foi precursor na Descolonização, 200 anos antes, o Brasil.

E também isso nos serve para nós olharmos para trás, a propósito do Brasil, mas seria também possível a propósito de toda a Colonização e toda a Descolonização, e assumirmos plenamente a responsabilidade por aquilo que fizemos. Não é apenas pedirmos desculpa, devida sem dúvida, por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é, às vezes, o que há de mais fácil. Pede-se desculpa. Vira-se as costas. E está cumprida a função. Não.

É o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado.

Fizemos de bom, tomemos para o caso do Brasil, por exemplo, entre muitos mais fatores: a língua; a cultura; a unidade do território brasileiro, contrastando com a dispersão nas antigas colónias espanholas; tantos traços que ficaram a ligar-nos.

De mau: a exploração dos povos originários, denunciada por António Vieira; a escravatura; o sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros; e até a arrogância durante muito tempo do seu quase desconhecimento, deslumbrados que andávamos com outras paragens mais orientais e outras riquezas. Um pior da nossa presença que temos de assumir, tal como assumimos o melhor dessa presença.

E o mesmo se diga do melhor e do pior, do pior e do melhor da nossa presença no Império, ao longo de toda a Colonização.

Portugueses,

O novo tempo pós-colonial foi e é um tempo em que a partilha envolveu e envolve aqui, entre nós, centenas de milhares de irmãos da língua e, nos territórios dos seus Estados, centenas de milhares de portugueses. Aqui são quase meio milhão de mulheres e homens incansáveis no que têm feito por Portugal: nas escolas, nos hospitais, nos centros de saúde, nas misericórdias, nas IPSS, como cuidadores informais, no trabalho, na agricultura, no comércio, na indústria, no ensino.

Irmãos brasileiros, irmãos guineenses, irmãos timorenses, irmãos cabo-verdianos, irmãos são-tomenses, irmãos angolanos, irmãos moçambicanos e mais outros que vivem noutros Estados, mas têm comunidades fortes a falar português.

Penso em goeses, macaenses para já não falar nas nossas excecionais comunidades espalhadas pelo mundo. E não posso deixar de alargar a muitos outros que, também entre nós, vindos de fora, não falantes de português, constroem Portugal, descontam para a segurança social, criam riqueza, contribuem para o nosso futuro dando força à nossa vocação histórica, ao nosso desígnio nacional, desígnio nacional que não é apenas crescer economicamente mais, porque é importante, ou criar mais igualdade, ou reduzir pobreza ou falta de coesão social ou territorial, é sermos aquilo em que fomos e somos em tantos casos insubstituíveis: plataforma entre oceanos, continentes, culturas, e povos. É um grande momento para nós partilharmos o 25 de Abril, agradecendo o que recebemos, esperando poder dar, em tantos casos, ainda mais, muito mais do que temos dado.

Eu confesso que sinto alguma emoção, quando penso que o meu avô partiu para o Brasil, naquele dia 24 de abril de 1871, levando irmãos mais novos para fugir da miséria das Terras de Basto, no Minho mais profundo. E, depois, muito mais tarde, do Brasil para a Angola ainda colonial. E que a sua história, foi a história de milhares e milhares e milhares de portugueses e de nacionais de outros países de língua portuguesa. E que o facto de ser, porventura, o primeiro Presidente da República, que tem, fruto da dupla nacionalidade, um filho português que também é brasileiro, e uma neta brasileira que também é portuguesa, e parentes próximos noutra Pátria como Angola, como tem em Pátrias que não são de língua oficial portuguesa, isso não é mais do que aquilo que se passa com tantas e tantos nacionais nossos compatriotas e nacionais desses Estados de língua portuguesa ou não falantes de português. Como podemos nós, Pátria de emigração, que temos de ser, aliás, mais solidários para com os dramas dos nossos emigrantes, ser egoístas perante os dramas dos emigrantes que são dos outros?

Que este 25 de Abril, que é o começo do 25 de Abril de 2024, seja um momento de evocação da Democracia que ele tornou possível. Da Liberdade que ele permitiu que fosse vivida por um maior número de portugueses. De passos na Descolonização, e pós-descolonização, tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos e baixos, sucesso e fracasso.

Do Desenvolvimento, que ele quis acelerar e que tem tido altos e baixos, sucesso e fracasso.

Com a última palavra no POVO.

Com o POVO tendo a possibilidade, que só em Liberdade e Democracia existe, nunca em Ditadura, de continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que saiba que é imperfeito, durará pouco tempo e ficará aquém das expectativas.

Com a certeza de que o 25 de Abril está vivo, porque nasceu para criar a ambição, para criar a insatisfação, para criar o não acomodamento, para criar a exigência crescente, incessante e imparável de mais e melhor. Sempre.

VIVA o 25 de Abril!

VIVA a Liberdade!

VIVA a Democracia!

VIVA Portugal!

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