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Declaração do Presidente da República ao País

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa dirigiu uma mensagem aos Portugueses, a partir do Palácio de Belém, sobre a atual situação politica do País.


“Muito boa noite,

Portugueses,

Duas palavras. Uma sobre o passado. Outra sobre o futuro.

Uma sobre o passado. Apesar de alguns grandes números muito positivos da nossa economia, e de apoios a famílias e empresas, esses grandes números ainda não chegaram à vida da maioria dos Portugueses.

Eles esperam e precisam de mais e melhor.

Esperam e precisam de um poder político que resolva, mais e melhor, os seus problemas.

E isso exige capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade.

E a autoridade, para existir, ser confiável, ser credível, ser respeitada, tem de ser responsável.

Onde não há responsabilidade, na política, como na Administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade.

Um governante sabe que ao aceitar sê-lo aceita ser responsável por aquilo que faz e não faz e também por aquilo que fazem ou não fazem aqueles que escolhe, e nos quais é suposto mandar.

Como pode um Ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar, ainda que para efeitos de informação, um dossier tão sensível como o da TAP — onde os Portugueses já meteram milhões de euros — e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República?

Como pode esse Ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis — as palavras não são minhas — suscitadas por esse colaborador levando a apelar aos serviços mais sensíveis de proteção da segurança nacional, que, aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de Governos?

Como pode esse Ministro não ser responsável por argumentar, em público, sobre aquilo que afirmara o seu subordinado, revelando pormenores do funcionamento interno e incluindo referências a outros membros do Governo?

A responsabilidade política e administrativa é essencial para que os Portugueses acreditem naquelas e naqueles que governam.

Não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido. Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou se deixou de fazer.

Não se afasta por razões de consciência pessoal de quem aprecia essa responsabilidade por muito respeitáveis que sejam. É uma realidade objetiva. Implica olhar para os custos objetivos daquilo que aconteceu na credibilidade, na confiabilidade, na autoridade do Ministro, do Governo e do Estado.

Não se mistura sendo política com a Justiça.

Não se apaga dizendo que já passou.

Não passou. Nunca passa. Reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos. Porque tem de existir para que os Portugueses se não convençam de que ninguém responde por nada, nem manda em nada. Ou melhor, acabam por só responder, eventualmente, os mais pequenos, mesmo se porventura eles tivessem atuado de forma errada.

Foi por tudo isto que entendi que o Ministro das Infraestruturas deveria ter sido exonerado. E que ocorreu uma divergência de fundo com o Primeiro-Ministro. Não sobre a pessoa, as suas qualidades pessoais, até o seu desempenho.

Mas sobre uma realidade, a meu ver, muitíssimo mais importante — a responsabilidade, a confiabilidade, a credibilidade, a autoridade do Ministro, do Governo e do Estado.

No passado, com maior ou menor distância temporal, foi sempre possível acertar agulhas.

Desta vez não.

Foi pena. Não por razões pessoais ou de disputa entre cargos que a Constituição distingue muito bem entre si, em termos de peso institucional, absoluto e relativo.

Mas por razões de interesse nacional.

E agora a palavra sobre o futuro.

Vai o Presidente da República retirar do caso ilações, ou seja, conclusões imediatas ou a prazo?

Sim.

Duas conclusões se retiram e que, aliás, se completam entre si.

Primeira conclusão — tudo visto e ponderado, continuar a preferir a garantia da estabilidade institucional. Não fazer aquilo que por aí andam como cenários— implicando, imediata e direta ou indiretamente, o apelo ao voto popular antecipado.

Os Portugueses dispensam esses sobressaltos, essas paragens, esses compassos de espera, num tempo, como este, em que o que querem é ver os governantes a resolverem os seus problemas do dia a dia. Os preços dos bens alimentares. O funcionamento das escolas. A rapidez na justiça. O preço da aquisição da habitação.

Como Presidente da República escolhi há mais de sete anos tudo fazer para garantir a estabilidade constitucional. E penso ter conseguido, vindo de um hemisfério político — da direita — conviver esses mais de sete anos com Governos do outro hemisfério político — o da esquerda — sem conflitos institucionais sensíveis.

Comigo não contem para criar esses conflitos. Ou para deixar crescer tentativas, isoladas ou concertadas, para enfraquecer a função presidencial, envolvendo-a em alegados conflitos institucionais. Até porque todos sabemos bem como foram e como acabaram esses conflitos no passado.

Não haverá, pois, da minha parte nenhuma vontade de juntar problemas aos problemas que, neste momento, os Portugueses já têm.

Segunda conclusão — o que sucedeu terá outros efeitos no futuro.

Terei de estar ainda mais atento à questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam.

Porque até agora eu julgava que, sobre essa matéria, existia, com mais ou menos distância temporal, acordo no essencial.

Viu-se que não.

Que há uma diferença de fundo.

Assim, para prevenir o aparecimento e o avolumar de fatores imparáveis e indesejáveis de conflito, terei de estar ainda mais atento e mais interveniente, no dia a dia.

Para evitar o recurso a poderes de exercício excecional que a Constituição me confere e dos quais não posso abdicar.

Para esse efeito importa ir, ao longo destes mais de dois anos, sinalizando, de modo mais intenso, tudo aquilo que possa afastar os Portugueses dos poderes públicos.

No fundo, aquilo que signifique maior deterioração das instituições, criação ou agravamento de fraquezas na Democracia e na confiança que nela deve continuar a existir por parte da maioria esmagadora dos Portugueses, e que se não pode perder, porque uma vez perdida esse facto é irreversível.

Estas as lições para o Presidente da República, de um momento, em que a responsabilidade dos governantes não foi assumida como deveria ter sido com a exoneração do Ministro das Infraestruturas.

Primeira lição — Continuar a ser como até hoje, garantia de estabilidade no relacionamento institucional com todos os órgãos do poder político, a começar nos órgãos de soberania.

Segunda lição — ter sempre presente, como último fusível de segurança político, que é o Presidente da República no nosso sistema constitucional, que deve assegurar ainda de forma mais intensa que aqueles que governam cuidam mesmo da sua responsabilidade, cuidam mesmo da confiabilidade, cuidam mesmo da credibilidade, cuidam mesmo da autoridade, tentando que pontuais, mas decisivas correções de percurso poupem — aquilo que ninguém deseja, a começar por mim — interrupções desse percurso. Porque aí chegados, já será tarde para deixar de agir em conformidade.

Portugueses,

Para que as duas conclusões retiradas sejam passiveis de concretização, espero poder contar com a sensatez, o sentido de Estado e o patriotismo de todos e, claro está, como sempre, mas sempre, com a experiência, a prudência e a sabedoria do Povo português.

Muito boa noite.”