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Discurso do Presidente da República na Cerimónia Militar Comemorativa do Dia de Portugal no Peso da Régua

Portugueses,

Todos os dias sabemos que, por entre alegrias e tristezas, estamos a fazer Portugal.

Todos os 10 de Junho, cada qual diverso dos outros, evocamos passados de quase novecentos anos, ganhamos redobradas forças para os presentes e sonhamos novos futuros.

Este 10 de Junho, é, também ele, muito diferente dos últimos.

É celebrado em Peso da Régua. Cidade do interior. Que nunca foi nem capital de distrito, nem cabeça de diocese.

É celebrado, ao mesmo tempo, por dezanove municípios do Centro e do Norte, dos antigos distritos de Viseu, Guarda, Vila Real, Bragança que têm em comum o Douro.

É celebrado num ano em que são todos eles, e não um, como é habitual, cidade europeia do vinho.

É celebrado aqui e neles depois de o ter sido, primeiro, lá fora, nas nossas Comunidades da África do Sul, que o esperavam desde os anos da pandemia.

Neste 2023, o 10 de Junho começou a 5 de junho com os nossos compatriotas dispersos pelo mundo antes de aqui chegar, a este Douro profundo, majestoso, monumental.

Portugueses,

Tudo isto faz sentido. Porque é o retrato do Portugal que queremos.

É o retrato do Portugal, que queremos, porque nós queremos que os Pesos da Régua dos nossos interiores sejam tão importantes quanto as Lisboas, os Portos, os Setubais, as Coimbras, os Aveiros, as Vianas de Castelo, os Faros deste nosso Continente. E, claro, os Funchais, os Portos Santos, as Pontas Delgadas, as Angras do Heroísmo, as Hortas, os São Jorges, as Madalenas, as Santas Marias, as Graciosas, as Flores e os Corvos para só falar nos mais próximos dos nossos mares.

Iguais na lei, iguais na esperança do futuro.

É o retrato de Portugal, que queremos, porque se unem dezanove municípios, como que a dizer que só a união faz a força.

A união na diversidade, mas a união em torno daquilo que é mesmo essencial para todos eles, é mesmo essencial para todos nós.

É o retrato de Portugal, que queremos, porque aquilo que os une é o Douro.

O Douro de Junqueiro, o Douro de Aquilino, o Douro de Torga, o Douro de Araújo Correia, o Douro de Armanda Passos e o Douro, em si próprio, História de Portugal. Porque nele tivemos muitas das nossas raízes, por que foi, por que é, por que será sempre exemplo da vontade, da persistência, da determinação dos homens e das mulheres na luta diária perante uma Natureza única, mas avassaladora, inclemente quase indomável.

É o retrato de Portugal, que queremos, porque aquilo que os une – aos dezanove concelhos no Douro – é o vinho, o vinho do Douro que lembra a nossa aliança com os britânicos, que, daqui a cinco dias, reunirá o Rei acabado de coroar e o representante de todos os portugueses, para evocarem 650 anos de História sem paralelo na Europa e, porventura, no mundo. Não que o vinho do Douro tivesse só esse passado, mas porque a caminho de três séculos, selou um passo decisivo na vida dessa aliança. E porque projetou Portugal no mundo, continua a projetar, num tempo em que o crescimento e a justiça social que ambicionamos se fazem de investimento, de exportações de bens, como esse vinho de excelência, e também de exportações de serviços, como a vinda até nós de mais e mais milhares de forasteiros conquistados por aquilo que temos de melhor no mundo.

É, finalmente, o retrato de Portugal, que queremos, porque só somos verdadeiramente Portugueses na medida em que sempre fomos e somos universais, sempre disponíveis para a solidariedade em relação aos outros – como aquele nosso compatriota Manuel Ponte, há dois dias, que com mais de 70 anos de idade fez aquilo que outros com menos 70 anos de idade não fizeram.

Partimos há mais de seis séculos e nunca deixámos de ir e de vir, de largar e de voltar, por pobreza, por aventura, por desejos de horizontes mais largos, por sobrevivência, algumas vezes, tantas vezes, convertida em realização. E de entender, ao mesmo tempo, que temos de receber outros tal como exigimos que eles nos recebam a nós.

Portugueses,

Nós somos assim. Cá dentro e lá fora. Pobres no ponto de partida.

Confrontados com os Douros todos das nossas existências – gigantescos, mas dificílimos de conquistar e de converter, de montanhas em socalcos de vida. Muitas vezes sozinhos, mas mais fortes se unindo energias e ultrapassando egoísmos sem nunca cedermos na nossa Independência. Capazes do melhor vinho, da melhor invenção, da melhor obra de artesão, de construtor, de artista, de criador levando o nosso nome, o nome de Portugal a todas as paragens. Éramos menos de um milhão e estivemos por todo o mundo onde poucos mais estiveram. Somos dez milhões cá dentro, mas valemos por muitos, muitos, muitos mais.

O que devemos aos que ficam, mas, não menos o que devemos aos que partem.

E este Douro que tornámos de novo navegável, e tantos velhos do Restelo não acreditavam, hoje, aqui está no seu potencial, contribuindo para o desenvolvimento da região e o bem-estar dos seus habitantes. Obras fundamentais que fizemos e outras que não fizemos e continuamos a adiar.

Portugueses,

Mas não será aquilo que vos digo, apenas e sobretudo, um discurso, para aconchegar os espíritos em tempos de incerteza ou de carência? Seremos mesmo assim, como Vos garanto, influentes no mundo?

É parar um momento. É recordar a quinta língua mais falada nesse mundo, a segunda língua mais falada no hemisfério sul, e, também, no hemisfério sul a segunda mais usada no digital.

É recordar um Secretário-Geral das Nações Unidas eleito e reeleito, por aclamação, de quase 200 Estados do universo.

Ou as nossas Forças Nacionais Destacadas a construírem a paz no nosso continente de origem e em muitos outros. Sendo as mais pedidas e as mais louvadas de todas. Símbolo destes marinheiros, soldados e aviadores aqui, hoje, presentes que bem merecem o nosso cuidado, a nossa atenção e o nosso desvelo.

Ou as nossas e os nossos compatriotas e seus descendentes que estão à frente de universidades, de empresas, de arte, de música, de ciência, de tecnologia nas Europas, nas Américas, nas Áfricas, nas Asas-Pacíficas.

É de pasmar para tão pequeno território terrestre e tão reduzida população.

Temos um peso no mundo muito, muito maior de longe do que o nosso território terrestre – porque no marítimo e, de algum modo, no aéreo, a nossa responsabilidade Internacional cobre áreas canadianas, norte-americanas, europeias muitas vezes superiores à nossa superfície terrestre.

Mas, pergunto, de que nos serve termos essa influência mundial se, entre portas, sempre tivemos e temos problemas por resolver, mais pobreza do que riqueza, mais desigualdade do que igualdade, mais razões para partir, às vezes, do que para ficar?

Sejamos honestos para connosco mesmos, assim tem sido e continua a ser século após século.

Éramos poucos e sofremos para resistirmos independentes durante séculos.

Nos tempos mais ricos do nosso Império Colonial, os testamentos de D. João II e D. Manuel I preveriam já contra a situação grave das finanças públicas.

Foi longa e penosa a restauração da Independência do País. Como repetidas e penosas tinham sido as insensatas expulsões dos não cristãos, o delírio do ouro, da pimenta, da prata, antepassadas de alguns fundos externos, de mais tarde – a entrarem e a saírem sem investimento, fixação de gente e de riqueza.

A crise financeira do final do século XIX com empréstimos só foram acabados de pagar no termo do século XX.

E mais aquelas eras – que não distam assim tanto de nós, apenas cinco décadas, ou seis, ou sete, ou oito – em que as finanças estavam certas, mas a liberdade, a saúde, a educação, a segurança social, ou não existiam ou eram para um punhado de privilegiados.

Tudo isto foi e, às vezes, ainda é verdade. Como foi e é que não podemos desistir – nunca – de criar mais riqueza, mais igualdade, mais coesão distribuindo essa riqueza com mais justiça.

Porque só isso nos permite e permitirá podermos ter e continuar a ter a projeção no mundo que é o nosso designo nacional. É a nossa vocação de sempre: fazermos pontes, sermos plataforma entre oceanos, continentes, culturas e povos.

Outros há, e haverá, que são e serão mais ricos do que nós e mais coesos que nós. Mas com línguas que poucos conhecem, incapazes de compreenderem o mundo, de o tocarem e de o influenciarem mesmo aquele mundo que está mesmo à beira da sua porta.

Nós nascemos diferentes. Uma Pátria improvável. Feita a pulso, contra o vento. Muito cedo universal. Muito cedo chamado ou condenada ser mais importante lá fora do que cá dentro.

E não queremos nunca cometer o erro de trocar a nossa vocação, que nos fez e faz maiores e diferentes, pela ilusão de que o sermos felizes é deixarmos de ser o que nos marcou há séculos.

Mas, atenção, que isso não seja álibi ou justificação para não sermos mais fortes e mais justos cá dentro até para podermos ser mais fortes e mais justos lá fora.

É esse o apelo deste Douro. Deste Douro que nos desafia todos os dias. Deste e de todos os Douros das nossas vidas. Pegarmos no impossível. Tentarmos uma vez, cem vezes, mil vezes. Falharmos mais do que acertarmos.

Termos tantas, mas tantas tentações de desistirmos, mas não desistirmos.

Começarmos de novo. Darmos novo viço ao que disso precisar. Plantarmos, semearmos, podarmos, cortarmos ramos mortos que atingem a árvore toda.

Recriarmos juntos, neste Douro, em todos os nossos Douros o que faça no nosso futuro muito diferente e muito melhor do que o nosso presente.

Só se não quisermos é que o nosso Portugal não será eterno.

E nós? Nós queremos que Portugal seja eterno!

Viva o Douro!

Viva Portugal!