O Presidente da República devolveu sem promulgação o Decreto que estabelece os termos de implementação dos mecanismos de aceleração de progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário reconhecendo aspetos positivos – alguns dos quais resultantes de aceitação de sugestões da Presidência da República –, mas apontando a frustração da esperança dos professores ao encerrar definitivamente o processo, ademais criando uma disparidade de tratamento entre o Continente e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Segue-se a publicação integral do texto enviado à Presidência do Conselho de Ministros.
“A Sua Excelência
O Primeiro-Ministro
1.Para além de várias outras justas reclamações dos professores – como as parcialmente satisfeitas em anterior Decreto-Lei –, uma havia e há que era e é central no reconhecimento do seu papel cimeiro na sociedade portuguesa – a da recuperação do tempo de serviço suspenso, sacrificado pelas crises económicas vividas ao logo de muitos anos e muitos Governos.
2. Ora, quanto a essa reclamação central, há duas questões que envolvem as demais. Uma, a da contagem do tempo de serviço prestado por todos os professores em funções no Continente, durante os períodos indicados de suspensão.
Contagem que está a ser feita, de forma faseada e gradual, nas Regiões Autónomas, por iniciativa, em 2018, na Madeira, do XII Governo Regional apoiado pelo PSD, através do Decreto Legislativo Regional nº 23/2018/M, de 28 de dezembro (aprovado com os votos favoráveis do PSD, PS, CDS e PCP), e, nos Açores, por iniciativa, em 2019, do XII Governo Regional apoiado pelo PS, através do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2019/ A, de 16 de julho (aprovado com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS, BE, PCP e PPM). Situação que criou uma clara desigualdade de tratamento entre professores da escola pública no Continente e nas Regiões Autónomas.
Outra, a do tratamento diferenciado de professores, sendo aplicável, a alguns deles, uma certa antiguidade de serviço para progressão na carreira, em circunstâncias específicas, e não a outros, que a teriam ou viriam a ter no futuro, se a contagem do tempo de serviço não tivesse sido suspensa. Assim se criando novas desigualdades.
3. Todos sabem que os professores, tal como os profissionais de saúde, têm e merecem ter uma importância essencial na nossa sociedade e em todas as sociedades que apostam na educação, no conhecimento, no futuro.
Não foi por acaso que países exemplos de liderança na educação o foram porque escolheram os melhores e lhes pagaram aquilo que não pagavam a tantos outros e respeitáveis trabalhadores do setor público, mesmo de carreiras especiais.
Por isso, apostar na educação é mais do que pensar no curto prazo, ou em pessoas, situações, instituições, do passado próximo ou do presente, ou calcular dividendos políticos.
É pensar nos sucessivos anos letivos que todos temos pela frente, e, sobretudo, naquelas e naqueles que queremos melhores em termos absolutos e relativos: os nossos estudantes.
E, para isso, pensar na mobilização de todos, mas, dentro de todos, daquelas e daqueles que serão os seus educadores, formadores e felizmente, em muitos casos, os seus inspiradores: os professores.
4. No Portugal Democrático, todas as escolas e todos os professores são e devem ser relevantes: os da escola pública, os da escola privada e os da escola social e cooperativa.
Mas, todos sabemos, que são mais de 130.000 os professores do setor público e cerca de 25.000 os dos restantes setores.
Como sabemos que a Escola Pública, não só é insubstituível no que representa, como constitui a coluna vertebral do sistema escolar.
5. Por estas e outras razões, foi com extrema atenção e apreço que acompanhei o longuíssimo período de encontros entre Governo e Sindicatos de Professores. Mesmo se alguns deles infrutíferos ou desprovidos de avanços.
Também foi com extrema atenção e apreço que registei o facto de o Governo ter optado por flexibilizar posições governativas – de Governos anteriores ou suas – quanto à recuperação do tempo dos professores, bem como, que foi um anterior Governo, mas com o mesmo Primeiro-Ministro, que levantou a suspensão da contagem do tempo de serviço dos professores.
Houve um esforço dos últimos Governos, no quadro financeiro e económico geral destes tempos de incerteza.
Do mesmo modo, houve uma abertura de sindicatos e, mais amplamente, da maioria esmagadora dos professores, para não almejarem, de imediato, tudo o que ambicionavam, entendendo as restrições financeiras existentes.
6. O presente diploma surge na sequência desse longuíssimo período de encontros, de expetativas, de frustrações, de luta laboral e de gestão governamental.
Sendo certo para todos que não há nem pode haver comparação entre o estatuto dos professores, tal como o dos profissionais de saúde, e o de outras carreiras, mesmo especiais.
Governar é escolher prioridades. E saúde e educação são e deveriam ser prioridades se quisermos ir muito mais longe como sociedade desenvolvida e justa.
7. O resultado atingido, na primeira versão do diploma, consagrava uma parte limitada das legitimas expetativas, para não dizer direitos, dos professores.
Limitada, no universo dos professores da escola pública beneficiários, quando o desejável era e é que a aceleração da progressão pudesse e possa incluir todos os docentes afetados pela suspensão da contagem do tempo de serviço, estabelecendo-se a justa proporcionalidade em relação ao tempo de serviço efetivamente prestado. O que o Governo aceitou, parcialmente, acedendo a instância do Presidente da República nalgumas situações, embora não em todas, e incorporando-as na versão agora submetida a promulgação.
Limitada, por manter a desigualdade entre professores da escola pública, nas Regiões Autónomas, que aceitaram a recuperação integral, ainda que faseada e gradual, e no Continente, sendo certo que não são invocáveis razões de exceção de necessidade específica para aquelas Regiões, já que a questão do tempo perdido ou suspenso é de âmbito nacional.
Limitada, sobretudo, porque o diploma, objetivamente, encerrava o processo quanto a este tema central, ao não contemplar qualquer calendarização, ou mesmo abertura para medidas ulteriores ou complementares. E nem sequer, no texto do articulado, ou no preâmbulo, inclui uma referência, mesmo não datada, de abertura ao futuro.
Ou seja, aparecia como a última palavra, e, nesse sentido, aquém do sinal que se desejaria e necessitaria para motivar esperança para os atuais e futuros professores, as famílias, os estudantes e, portanto, a Educação em Portugal.
8. Perante o contraste entre o regime vigente nas Regiões Autónomas, aliás introduzido por Governos de sentido diverso (PSD na Madeira e PS nos Açores) e o adotado no Continente, e, sobretudo, o caráter, objetivamente definitivo, do passo dado, e a importância decisiva do tema para uma classe profissional insubstituível para a educação, a qualificação, o conhecimento, e, portanto, o futuro de Portugal, entendo que, com ou sem intervenção da Assembleia da República – onde o Governo dispõe de uma clara maioria de apoio –, deveria figurar, no texto, a ideia de que se não encerra definitivamente o processo. A pensar no futuro. E no papel que nele desempenham os Professores em Portugal.
Uma coisa é não ser viável, num determinado contexto, ir mais além, outra é dar um sinal errado num domínio tão sensível, como o é o da motivação para se ser professor no futuro.
Nestes termos, proporcionando, ao Governo, a oportunidade, com ou sem intervenção da Assembleia da República, de aproveitar o conteúdo do diploma, em nova iniciativa legislativa, nele inserindo a referência à disponibilidade para não encerrar, para sempre, o processo, sobre a matéria versada, devolvo sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, o Decreto que estabelece um regime de aceleração de progressão na carreira de alguns professores.
O Presidente da República
Marcelo Rebelo de Sousa”