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Presidente da República submete ao Tribunal Constitucional decreto alterando Lei da Nacionalidade

Chamando a atenção para que a alteração da Lei da Nacionalidade, com efeitos aplicáveis a processos ainda em curso, pode agravar a situação de reféns israelitas em Gaza que têm pendentes pedidos de concessão de nacionalidade portuguesa, o que pode ser considerado atentatório dos princípios da confiança e da dignidade da pessoa humana, bem como até, objetivamente, do direito à vida, pois já foi libertada uma refém luso-israelita com base na sua nacionalidade portuguesa, o Presidente da República submeteu a fiscalização preventiva da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional aquele decreto da Assembleia da República, apenas e especificamente por causa do seu artigo 6.º.

Requerimento enviado ao Tribunal Constitucional (PDF)

Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente
do Tribunal Constitucional

Excelência,

Nos termos do n.º 1 do art.º 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do art.º 51.º e n.º 1 do art.º 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, venho requerer ao Tribunal Constitucional, com os fundamentos a seguir indicados, a apreciação da conformidade com a mesma Constituição das seguintes normas constantes do Decreto n.º 134/XV da Assembleia da República, recebido e registado na Presidência da República, no dia 18 de janeiro de 2024, para ser promulgado como lei:

- a norma constante do artigo 6.º.

1.º

O Decreto em apreciação, no seu artigo 6.º, cria um novo regime especial aplicável aos pedidos pendentes de concessão de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas portugueses, introduzindo critérios suplementares para tal concessão.

2.º

Com este novo regime especial, visa o legislador parlamentar sanar, com eficácia retroativa ou, ao menos, retrospetiva, a inconstitucionalidade, orgânica e material, do artigo 24.º-A do regulamento da nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março, tal como foi invocada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e amplamente noticiado pela imprensa, o qual introduziu requisitos adicionais para a concessão da nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas portugueses.

3.º

Este novo regime parece ainda violador do princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito, tal como consagrado no artigo 2.º da Constituição, tal como, pelos efeitos retroativos, violador da proibição de retroatividade de norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, constante do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição.

4.º

Com efeito, correndo nos Tribunais outros processos que invocam igualmente a inconstitucionalidade da norma em causa, é compreensível que os requerentes, em particular aqueles para quem esse reconhecimento poderá representar o respeito pelo direito à vida, aguardem, com esperança e angústia, tal como as suas famílias, o desfecho desses processos, confiantes na sua argumentação, sendo que a única justificação para a norma agora aprovada é a de o legislador procurar sanar retroativamente essa inconstitucionalidade, intervindo, por via legislativa, em processos em curso nesses Tribunais.

5.º

De facto, no contexto atual, a alteração em causa pode projetar-se na situação dos reféns israelitas e de outras nacionalidades, do Hamas, em Gaza, vários dos quais têm pendentes pedidos de concessão de nacionalidade portuguesa, como descendentes de judeus sefarditas portugueses. Como é sabido, nestes casos, a detenção de uma nacionalidade diversa da israelita tem conduzido à sua libertação, como já aconteceu com uma luso-israelita. A criação de obstáculos adicionais à concessão da nacionalidade portuguesa nestes casos, pode mesmo ser considerada atentatória do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição, bem como até, objetivamente, do direito à vida, consagrado no artigo 24.º da Constituição, na medida em que a conclusão dos processos em curso de atribuição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo da lei ainda em vigor, pode significar, como já significou, a possibilidade de libertação pelo Hamas e a própria sobrevivência. Recorde-se que já faleceu em cativeiro um requerente da nacionalidade portuguesa ao abrigo da mesma lei.

Ante o exposto, requer-se, nos termos do n.º 1 do art.º 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do art.º 51.º e n.º 1 do art.º 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas constantes do artigo 6.º do Decreto n.º 134/XV da Assembleia da República, por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 3, e 24.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

Apresento a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos.

Lisboa, 22 de janeiro de 2024

O Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa