Portugueses,
Viver este 10 de Junho de 2021 no Funchal, na Madeira, é uma experiência singular.
No meio do Atlântico.
Numa terra feita por tantas e tantos que aqui chegaram e aqui viveram, ou vivem, desde há seiscentos anos.
Onde tantas ou tantos aqui regressam, em busca do horizonte de vida que lhes faltou onde se fixaram, elas e eles ou seus antepassados.
No fim, ou quase no fim, de uma pandemia tão longa e dolorosa.
Isto é o 10 de Junho de 2021.
Isto é o Funchal.
Isto é a Madeira – Madeira, Porto Santo, Ilhas Desertas e Ilhas Selvagens.
Isto é Portugal.
O Atlântico – os Oceanos, o Mar, um desafio nosso do futuro, mais ainda do que do passado e do presente.
Que faz crescer o nosso espaço físico.
Que faz crescer o nosso espaço geoestratégico.
Que faz crescer o nosso universalismo – Nação que somos o que somos por sermos universais. E, por isso, denominador comum como o tem demonstrado António Guterres como Secretário-Geral das Nações Unidas.
Terra – feita de chegadas, enraizamentos, criações e recriações.
Um arquipélago que se liga ao arquipélago mais vasto que forma com os Açores e o Continente, mas tão diverso e tão enriquecedor do resto do todo nacional.
Com gentes vindas de todos os mundos – cruzamento de línguas, biografias e culturas.
Mas também terra de onde tantas e tantos partiram para novos mundos – espalhados pelos cinco cantos: da Venezuela à África do Sul, e mais perto e mais longe.
Gente corajosa, desbravadora, resistente, disposta a todos os sacrifícios para respeitar as suas raízes, defender a sua família, preservar o seu património, fazer valer a sua justa e intrépida autonomia.
De que nunca se afastam os seus naturais, sejam eles o melhor do mundo num desporto, ou os melhores na cultura, na ciência, ou mais pequeno na odisseia de sobreviver em climas de confrontos civis ou armados, a léguas de onde nasceram ou onde nasceram seus pais ou avós.
A que regressam, ou têm de regressar, em épocas de aflição para ganharem fôlego, procurarem sobrevivência imediata ou ajuda a prazo, esperando o reembarque para refazerem as vidas que o destino tinha desfeito.
Tudo isto, neste ano, nestes quase dois anos, em que a pandemia surgiu e tudo, ou quase tudo, suspendeu, adiou, atropelou, atingiu.
Portugueses,
Não serão as imensidades destes desafios que nos vão desviar do nosso futuro.
Que se desenganem os profetas da nossa decadência ou da nossa finitude.
O Mar exige mais de nós? Que o assumamos em palavras, mas também em obras.
É necessário reforçar a nossa estratégia e liderança nos Oceanos? Que se reforce, com urgência.
É necessário fazer da Conferência dos Oceanos, de que seremos anfitriões, um marco nesse caminho que percorremos, desde os mandatos de Presidentes como António Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio ou Aníbal Cavaco Silva, com sucessivos Governos da República e Regionais? Que se faça, para nunca perdermos o rumo e a urgência desse rumo.
Este 10 de Junho convida-nos a sermos melhores neste desafio fundamental para a nossa diferença no mundo.
A Terra – esta Terra – exige mais de nós? Que o não esqueçamos nos próximos anos, não nos limitando a remendar o tecido social ferido pela pandemia, reconstruamos esse tecido a pensar em 2030, 2040, 2050.
É necessário agir em conjunto, com organização, transparência, eficácia, responsabilidade, resultados duradouros? Que tudo façamos para o conseguir.
É necessário ter nestes anos um apelo à convergência para aproveitar recursos, recriar espírito novo de futuro para todos e não uma chuva de benesses para alguns? Que se veja com olhos de interesse coletivo e não com olhos de egoísmos pessoais ou de grupo.
Este 10 de Junho interpela-nos a não desperdiçarmos o acicate dos fundos que nos podem ajudar, evitando deles fazer, em pequeno e por curtos anos, o que fizemos, tantas vezes na nossa História, com o ouro, com as especiarias, com a prata, mais perto de nós, com alguns dos dinheiros comunitários, sendo uma terra de passagem para outros destinos ou porto de abrigo para muito poucos de nós.
A Terra, esta Terra de emigração, de partida, impõe-nos que levemos mais longe o que nos liga às nossas Comunidades dispersas pelo Universo que tanto prestigiam Portugal.
É necessário prosseguir e melhorar o que já fizemos no ensino da Língua de Camões, na proteção social, nas condições efetivas para que os passos enormes já dados no voto – desde os tempos em que se negava esse voto nas Presidenciais –, de modo a que não se tenha de percorrer milhares de quilómetros para o exercer? Que prossigamos e melhoremos o que já fizemos.
É necessário ultrapassar um estranho complexo que, de vez em quando, ainda nos domina – a nós, que não conhecemos uma família que não tenha pelo menos um dos seus lá fora –, recusando-nos a converter essa realidade em prioridade nacional, em vez de ser um acaso, uma saudade esbatida pelas férias, um aceno simbólico de discursos, uma revolta solidária quando elas ou eles sofrem injustiças ou dramas intoleráveis? Que continuemos a ultrapassar e ultrapassemos em definitivo esse esquecimento.
A Terra, esta Terra chama-nos, também, à razão, perante alguns dos nossos emigrantes, que, para fugirem dos dramas das paragens onde começaram ou recomeçaram o seu caminho, se acolhem às origens.
É necessário recebê-los ainda mais do que temos recebido, lembrando as centenas de milhar que voltaram de outros continentes, há meio século, e, os muitos outros que, durante séculos chegaram e permaneceram ou chegaram e partiram num vaivém que é a nossa maneira de sermos portugueses? Que os recebamos com cuidado ainda mais solidário.
Nunca nos esqueçamos disto.
Somos uma Pátria de emigrantes.
E, por isso, estranho será se, além de fazermos muito mais pelos nossos emigrantes, não pensarmos e sentirmos que não podemos querer para os nossos emigrantes aquilo que negamos aos emigrantes dos outros, entre nós acolhidos.
Que nos dão natalidade que não temos, serviços básicos de que precisamos, contributos para a riqueza nacional de que carecemos, como aconteceu em pandemia, quando tantos desses emigrantes, de outros vivendo entre nós, nos ajudaram a não parar setores inteiros, como a construção civil.
Este 10 de Junho de 2021 é um dia apropriado para agradecermos aos nossos irmãos na nacionalidade, que por esse globo criam Portugais, para agradecermos a esses outros irmãos de Humanidade, que nos são tão úteis para o que queremos pronto, mas não pelas nossas mãos, aquilo que realizam em Portugal.
Portugueses,
Ainda mais aposta no Mar.
Ainda mais vontade de não desperdiçar um cêntimo que nos chegue à nossa Terra.
Ainda mais sentido nacional lembrando e apoiando os nossos compatriotas que vivem no nosso território espiritual, na nossa alma, que é muito maior do que o nosso território físico.
Ainda mais sentido humano, a receber os nossos irmãos de nacionalidade, que nos chegam por uns tempos regressados para partirem, bem como os não portugueses, uns e outros tantas vezes esquecidos nesse mundo subterrâneo que serve à nossa vida e que fazemos de conta que não existe ou existe pouco.
Resta uma palavra, nestes anos de pandemia.
Longos e dolorosos.
Para com os milhares e milhares e milhares de todos os portugueses que estiveram, mês a mês, semana a semana, dia a dia, hora a hora, segundo a segundo, a cuidar de todos nós.
Simbolizando, todos eles, num Dia que é de Portugal, que é das Comunidades, mas que é, também, das Forças Armadas, homenageando – tal como o farei brevemente com as Forças de Segurança – homenageando hoje as Forças Armadas, os seus três Ramos – Armada, Exército e Força Aérea – e quem conjugou um esforço comum, o Estado-Maior-General das Forças Armadas, entregando as insígnias da Ordem Militar de Cristo, que bem merecem. Pela intervenção que tiveram nos lares com emergência. Pela preparação das escolas. Pela garantia da vacinação em massa. Por terem estado sempre, quando, onde e como era imprescindível.
Mas uma palavra, ainda mais forte e mais rendida e emocionada, para com as mulheres e os homens que, na Saúde, por todo o país, salvaram vidas e velaram por pacientes.
Todas elas e todos eles aqui representados pela Presidente da Comissão deste 10 de Junho.
Ela própria clínica, que lutou contra a pandemia, como, no passado, tinha lutado em tantas tragédias dos últimos anos, mas que é apenas uma dos sem número, que cumpriram a sua missão, excedendo-se nesse cumprimento, antes, durante e depois de conhecerem o vírus na sua própria saúde.
Homenagear esses heróis – tenho repetido – não é apenas condecorar, como eu fiz há um ano, os primeiros no embate da pandemia. É condecorá-los a todos, recordando-os, agradecendo-lhes e continuando a proporcionar-lhes no futuro, ainda mais recursos e condições para servirem a comunidade nacional que somos todos nós.
É esse, tem de ser esse, o nosso propósito neste dia memorável.
Um dia tão diferente do 10 de Junho de 2020.
No 10 de Junho de 2020, éramos oito, oito, naquele Claustro do Mosteiro dos Jerónimos.
Saídos de uma vaga desejando que outras não viessem prolongar dor e adiamento.
Hoje, somos aqui, dezenas, centenas, milhares, ao longo destas avenidas, destas ruas, deste Funchal, desta Madeira, deste Portugal, a querer dizer que a vida continua.
A nossa vida continua. A nossa vida recomeça. A nossa vida reconstrói-se, olhando para o futuro.
Fiéis a quase nove séculos de História, sempre sob o signo da eternidade.