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Presidente da República envia metadados para o Tribunal Constitucional

Por razões de certeza jurídica, o Presidente da República decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto da Assembleia da República que regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal, nos termos do requerimento, em anexo, dirigido ao Tribunal Constitucional.

Requerimento enviado ao Tribunal Constitucional (PDF)

Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente
do Tribunal Constitucional

Excelência,

Nos termos do n.º 1 do art.º 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do art.º 51.º e n.º 1 do art.º 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, venho requerer ao Tribunal Constitucional, com os fundamentos a seguir indicados, a apreciação da conformidade com a mesma Constituição das seguintes normas constantes do Decreto n.º 91/XV da Assembleia da República, recebido e registado na Presidência da República, no dia 2 de novembro, para ser promulgado como lei:

  • a norma constante do artigo 2.º, na parte em que altera o artigo 4.º da lei n.º 32/2008, de 17 de julho;
  • a norma constante do artigo 2.º, na parte em que altera o artigo 4.º quando conjugado com o artigo 6.º da lei n.º 32/2008, de 17 de julho;
  • a norma constante do artigo 2.º, na parte em que altera o artigo 9.º da lei n.º 32/2008, de 17 de julho.

1.º

Pelo Acórdão n.º 268/2022, o Tribunal Constitucional decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição, e da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações, nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

2.º

A Assembleia da República entendeu, através do Decreto em apreciação, alterar a referida Lei n.º 32/2008, de 17 de julho no sentido de, tal como afirmado no próprio título do Decreto, a “conformar com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022”.

3.º

Ora, de acordo com o referido acórdão do Tribunal Constitucional, as normas em causa padeciam de inconstitucionalidade, no essencial, e tendo em conta o regime aplicável de Direito Europeu e a sua projeção na Constituição da República Portuguesa, em resultado de: i) permitir uma recolha indiscriminada de dados de tráfego; ii) não prever a notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal.

4.º

O legislador vem agora, e nas suas próprias palavras, declaradamente conformar o regime em causa com as conclusões do acórdão do Tribunal Constitucional. Importa, pois, verificar se o Tribunal considera que a Assembleia da República teve sucesso nesta sua deliberação.

5.º

Quanto à primeira questão, o Tribunal distingue, na linha da jurisprudência anterior, dados de base de dados de tráfego aplicando, compreensivelmente, um regime mais exigente aos segundos.

6.º

Com efeito, refere o Tribunal no citado acórdão que “no fundo, se a medida de conservação de dados de tráfego e de localização em si mesma pode ser tida como adequada e necessária para os fins de interesse público que visa salvaguardar, a definição do leque de sujeitos visados só não transgride os limites da proporcionalidade na medida em que se dirija, de forma direta, às situações em que a agressão aos direitos fundamentais em causa possa ter-se por orientada à perseguição dos objetivos da ação penal. Neste quadro, por se ultrapassarem na medida fiscalizada os limites da proporcionalidade no que concerne ao respetivo âmbito subjetivo, viola-se o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição na restrição aos direitos fundamentais à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa (artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, da Constituição), perdendo relevância a questão de saber se os demais elementos de que dependeria a proporcionalidade da medida (o ajustamento do prazo de conservação ao estritamente necessário para os fins a alcançar; e a imposição de condições de segurança do respetivo armazenamento) são preenchidos pela regulamentação fiscalizada.

Razão pela qual deve ter-se por inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o artigo n.º 18.º, n.º 2, da Constituição, a medida de conservação por um ano dos dados de tráfego e dos dados de localização, decorrente da conjugação do disposto do artigo 4.º com o artigo 6.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho”.

7.º

Resulta da leitura das normas sindicadas que, não obstante ter sido reduzido o prazo para a conservação dos dados de tráfego, pode interpretar-se que se pode continuar a permitir a sua recolha indiscriminada, o que pode não se conformar com o decidido pelo Tribunal no acórdão citado. O Tribunal afirmou então que a recolha indiscriminada destes dados violaria, só por si, o princípio da proporcionalidade, perdendo relevância a apreciação dos demais elementos, entre os quais o prazo.

8.º

De igual modo, importa verificar se a notificação ao visado, nos termos em que é prevista na nova redação do artigo 9º, satisfaz as exigências constantes do referido acórdão do Tribunal Constitucional, designadamente no que respeita ao princípio da proporcionalidade.

Ante o exposto, e dada a importância de garantir a certeza jurídica em tão delicada e controversa matéria, requer-se, nos termos do n.º 1 do art.º 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do art.º 51º e n.º 1 do art.º 57º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas constantes do artigo 2.º, na parte em que altera o artigo 4.º da lei n.º 32/2008, de 17 de julho; do artigo 2.º, na parte em que altera o artigo 4.º quando conjugado com o artigo 6.º da lei n.º 32/2008, de 17 de julho; e do artigo 2.º, na parte em que altera o artigo 9.º da lei n.º 32/2008, de 17 de julho, do Decreto n.º 91/XV da Assembleia da República, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, e disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

Apresento a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos.

Lisboa, 6 de novembro de 2023

O Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa