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Discurso na Cerimónia de Tomada de Posse na Assembleia da República

Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas
Senhores Presidentes António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva,
Senhora Dra. Manuela Ramalho Eanes,
Senhores Ministros de Estado,
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
Senhor Núncio Apostólico em representação do Corpo Diplomático,
Senhor Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa,
Senhora Procuradora-Geral da República,
Senhor Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas,
Senhora Provedora de Justiça,
Senhor Chefe do Estado-Maior dos três Ramos das Forças Armadas,
Senhor Presidente do CDS,
Senhora e Senhores candidatos presidenciais,
Senhoras e Senhores Deputados,
Portugueses,

Hoje, como há cinco anos, Portugal é a única razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.

E dizer Portugal, é dizer os Portugueses.

Porque uma Pátria é muito mais do que o lugar onde nascemos, renascemos, a memória do que fazemos, desfazemos e refazemos, os usos que recebemos e passamos aos nossos filhos e netos, as instituições que nos moldam e ajudamos a moldar.

Uma Pátria são, acima de tudo, as pessoas. E, nela, cada pessoa conta.

Diversa, diferente, irrepetível.

Portugal são os Portugueses.

São, pois, os Portugueses, todos eles, a única razão de ser do compromisso solene que acabei de assumir.

A começar nos que mais necessitam.

Os sem-abrigo. Os com teto, mas sem habitação condigna. Os da minha idade, ou mais, que vivem em lares ou em casa, em solidão ou velados por cuidadores formais ou informais.

Os reformados e pensionistas pobres.

Os desempregados e em lay-off.

Os trabalhadores e os empresários precários.

As crianças, os jovens, as famílias, os professores, os não docentes atropelados em dois anos letivos.

Os que salvam vida e saúde, os que os ajudam a salvar, os que perdem vida e saúde, os que perdem entes queridos sem uma despedida na doença e na morte.

Os que nos deixam, desejando regressar.

Os que a nós se acolhem e ficam.

E mais os que – e são todos – perto ou muito longe, na Diáspora, nos Açores, na Madeira, no Continente – nunca desistem de Portugal.

Portugueses,

No dia 9 de março de 2016, Portugal vivia já a saída de uma dura crise financeira, económica e social, mas a divisão entre os que haviam arcado com o governo em crise e os que se lhe tinham oposto era total. Em ideias, em políticas, em legitimidade para se ser poder, em emoções.

A Europa, liberta da sombra da crise bancária, prometia crescimento e emprego, e esperava que Portugal não mudasse de rumo no reequilíbrio do Orçamento.

O mundo, empolgado pelos ideais da ação climática, da mudança energética, da liberdade de comércio e do multilateralismo, acreditava que era tempo de ultrapassar fronteiras, olhar de frente para migrações e refugiados, promover direitos humanos, paz e desenvolvimento sustentável.

Mais sonhos e menos medos.

O que se passou depois, sabemo-lo todos.

O mundo foi outro, diverso do então esperado: com crescimento económico, mas com menos ação climática, menos multilateralismo, menos tolerância em migrações e refugiados, mais guerra comercial, mais xenofobias.

Mais medos, menos sonhos.

A Europa, abalada pela saída do Reino Unido, foi, ainda assim, resistindo e reinventando-se, às vezes só, nela própria irrompendo, aqui e ali, mais medos e definhando, de quando em vez, mais sonhos.

Portugal continuou o caminho das contas públicas equilibradas. Fê-lo, acelerando compensações sociais e reforçando o sector público, o que, sendo o programa dos novos governantes, se opunha ao rumo dos seus antecessores. Sairia do processo de défice excessivo em 16 de junho de 2017. Depois de, em 2016 e 2017, ter enfrentado situações críticas na banca e, na véspera de viver a primeira das duas vagas de tragédia dos incêndios florestais.

Daria passos importantes no equilíbrio orçamental, na internacionalização, no digital, nas exportações, no turismo, na inovação e nalguma mudança agrícola, sabendo, em vários domínios, aproveitar caminhos antes desbravados. Atenuaria, suavemente, pobreza e algumas desigualdades sociais.

Reforçaria o prestígio e o protagonismo externo – nas Nações Unidas, no Eurogrupo, na Organização Internacional para as Migrações. Nas Forças Nacionais Destacadas. Nas missões solidárias, como em Moçambique, na Cultura, na Ciência, no Desporto.

Iria, porém, adiando investimentos ou transformações mais profundas em competitividade empresarial, infraestruturas, Administração Pública, Serviço Nacional de Saúde, e, em parte, na Justiça.

À entrada de 2020, mundo e Europa esperavam por outros ciclos, dependentes das suas lideranças, definidas ou assumidas no ano que terminou.

Portugal, com excedente orçamental, e, de novo, convergência económica com a Europa, esperava encarar anos de crescimento duradouro. Num ambiente político, todavia, muito diverso daquele de 2016.

Mais fragmentado e mais complexo. Conhecendo a chegada ao sistema de novas forças políticas e sociais, anunciadas desde a Primavera de 2018.

Onde a economia deixava antever tempos mais propícios, a política sugeria tempos menos previsíveis.

Foi então que, há um ano, entre nós, começou a pandemia, que não mais deixaria de fustigar tudo e todos.

Um ano demolidor para a vida e a saúde, o emprego e os rendimentos, os planos e as realizações, as comunidades, as famílias, as pessoas, cada um de nós.

À pandemia na vida e na saúde, juntou-se a pandemia na economia e na sociedade.

O heroísmo deixou de ser coisa de um instante. Passou a ser de um ano. Quase interminável. Mais difícil, mais estoico, mais valioso.

Por isso é justa a indignação dos sacrificados pelas duas pandemias.

Mas, também por isso, é parcialmente injusta a recriminação feita a tudo o que não se antecipou, não se evitou, não se resolveu. Nuns casos era possível, noutros não seria.

Os trucidados pelas pandemias têm o direito a ver o poder existente, ao mesmo tempo, como tábua de salvação e como muro das suas legítimas lamentações.

Os responsáveis durante as pandemias só podem assumir tudo – o possível e o impossível –, sabendo que nada nem ninguém pode dar, a quem perdeu o irreparável, o que não tem preço nem tem retorno.

Portugueses,

Nenhum dos que aqui estivemos no dia 9 de março de 2016 terá antevisto o que é, hoje, o dia 9 de março de 2021.

Nem o confinamento lá fora, nem o distanciamento cá dentro, nem a esperança – apesar de tudo – renovada e imbatível num futuro melhor.

Pela primeira vez, em democracia, um Presidente da República toma posse em estado de emergência, perante uma Assembleia da República que nunca deixou de funcionar, ao serviço dos Portugueses. E, por essa determinação, agradeço a Vossa Excelência Senhor Presidente, a V. Exas. Senhoras e Senhores Deputados o exemplo de dedicação à Democracia. Nunca aceitando calá-la, nunca aceitando suspendê-la, nunca aceitando fazê-la refém.

Que seja esta a primeira lição do dia de hoje.

Vivemos em Democracia, queremos continuar a viver em Democracia, e em Democracia combater as mais graves pandemias, preferimos a liberdade à opressão, o diálogo ao monólogo, o pluralismo à censura. E demonstrámo-lo realizando duas eleições em pandemia, de uma das quais resultou a subida da oposição ao Governo. Isto é democracia.

Mas queremos também melhor Democracia. Onde a liberdade não seja esvaziada pela pobreza, pela ignorância, pela dependência ou pela corrupção. Onde a inclusão, a tolerância, o respeito por todos os Portugueses – para além do género, do credo, da cor da pele, das convicções pessoais, políticas e sociais – não sejam sacrificados ao mito do português puro, da casta iluminada, dos antigos e novos privilegiados.

Queremos uma Democracia que seja ética republicana na limitação dos mandatos, convergência no regime e alternativa clara na governação, estabilidade sem pântano, justiça com segurança, renovação que evite rutura, antecipação que impeça decadência, proximidade que impossibilite deslumbramento, arrogância, abuso do poder.

Assegurá-lo é a primeira prioridade do Presidente da República para estes cinco anos.

A segunda lição desta posse em estado de emergência é ainda mais evidente do que a primeira: vivemos em pandemia sanitária.

E quanto a essa pandemia que mudou radicalmente a nossa vida, sabemos todos o que queremos.

Queremos encurtá-la e não alongá-la. Estancar o número dos nossos mortos. Baixar a contaminação. Ampliar a vacinação, a testagem e o rastreio. Evitar nova exaustão das estruturas de Saúde e dos seus heróis.

Queremos desconfinar com sensatez e sucesso, reduzir o temor, reforçar a confiança, recuperar os adiamentos nos doentes não COVID, estabilizar o Serviço Nacional de Saúde, permitir, de forma duradoura, a reconstrução da vida das pessoas.

Esta é a segunda prioridade – e a mais imediata – do Presidente da República. Porque para os próximos meses. Em espírito da mais ampla unidade possível, num tempo de inevitáveis cansaço e ansiedade.

A terceira missão prioritária do Presidente da República cobre não apenas 2021, mas também os anos que se seguem.

Durante esse tempo, inevitavelmente mais longo, teremos de reconstruir a vida das pessoas.

Que é tudo ou quase tudo – emprego, rendimentos, empresas, mas também saúde mental, laços sociais, vivências e sonhos.

É mais, muito mais do que recuperar, ou seja, regressar a 2019, ou a fevereiro de 2020. E essa é a terceira lição deste ano.

Para isso, queremos manter e aperfeiçoar as medidas para a sobrevivência imediata do tecido social e do tecido económico e sua mais rápida reconstrução.

Como queremos usar os Fundos europeus com clareza estratégica, boa gestão, transparência e eficácia, na resiliência social, na qualificação, na transição energética, no digital, mas nunca esquecendo o que a pandemia desvendou de problemas de fundo – de competitividade económica, de saúde, de solidariedade social de sua articulação –, ou convidou a revisitar – reforma administrativa, Justiça e luta contra a corrupção, papel das Forças Armadas, Forças de Segurança, proteção civil, bombeiros, descentralização – toda aquela que os portugueses quiserem –, instituições de solidariedade social, movimentos associativos, formas de trabalho.

Só haverá, porém, verdadeira reconstrução se a pobreza se reduzir, os focos de carência alimentar extrema desaparecerem, as desigualdades se esbaterem, a exclusão diminuir, a clivagem entre gerações e entre territórios for superada.

A coesão social é a quarta missão prioritária do Presidente da República. A pandemia fez ressaltar a existência de vários Portugais, cada vez mais distantes entre si, todos eles dentro do mesmo Portugal: urge reconstruir um só Portugal.

Queremos mais crescimento, e, para isso, investimento, exportações e mercado interno.

Mas queremos, no entanto, mais do que isso: políticas que corrijam o que a liberdade, a concorrência e o mercado, de per si, não permitem corrigir e que se agravou, drasticamente, com a pandemia.

Reconstruir a vida das pessoas sem economia a crescer é impossível. Mas reconstruí-la só com a economia, sem corrigir as desigualdades existentes, é reconstruir menos para todos, porque sobretudo para alguns privilegiados.

Uma última lição dos meses que atravessamos é a de que não há ilhas no universo. E nós, Portugal, somos tudo menos uma ilha.

Fraternidade lusófona, integração europeia, relacionamento transatlântico, estreitamento euro-africano e ibero-americano, aberturas a Oriente, mais solidariedade, multilateralismo, valorização das organizações internacionais, aposta continuada nas chamadas novas fronteiras – e os Oceanos são-no, desde sempre, para nós –, eis o apelo do futuro, contra o medo do diferente, do diverso, do complementar.

A quinta missão do Presidente da República é aprofundar a nossa vocação para plataforma entre culturas, civilizações, oceanos e continentes – simbolizada pela eleição e pela desejável reeleição de António Guterres e pela abertura a todos os azimutes da Presidência Portuguesa no Conselho da União Europeia –, afirmar a unidade nacional com a salutar especificidade das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, acalentar a participação da nossa Diáspora, construtora de Portugais fora do território físico mas dentro do território espiritual que é o nosso, valorizar as nossas políticas externa e de defesa. E as nossas Forças Armadas.

É, no fundo, afirmar um sempre renovado patriotismo. Um patriotismo das pessoas. E não apenas do lugar, da memória, dos usos, das instituições.

Um patriotismo do futuro.

Que os mais jovens assumem como ninguém. Contra ventos e marés. Contra pandemias, na vida e saúde, na economia e na sociedade.

E, por isso mesmo, eles, jovens têm pressa. Pressa de ver Portugal mais justo, mais competitivo, mais intergeracional.

Não se satisfazem com as cinco missões nacionais e presidenciais para os próximos cinco anos. Nem apenas com as promessas de resposta, às suas angústias na educação, no emprego, na habitação, no projeto de vida.

Esperam mais e mais depressa. Para eles e para todos os Portugueses.

E desde já, num Portugal desigual e envelhecido, esperam mais e melhor Serviço Nacional de Saúde, peça-chave da nossa Democracia Social.

Num Portugal pouco competitivo, esperam mais e melhores condições às empresas para usarem, em pleno, os Fundos europeus, atraírem investimento e enfrentarem, com sucesso, a competição externa, cá dentro e lá fora.

Num mundo em aceleração, esperam ainda mais e melhor liderança portuguesa na luta pela ação climática.

Três causas concretas que independentemente de rótulos são todas elas nacionais e urgentes.

Portugueses,

Resta lembrar o óbvio. Sou o mesmo de há cinco anos. Sou o mesmo de ontem. Nos mesmos exatos termos, eleito e reeleito, para ser Presidente de todos Vós.

Com independência, espírito de compromisso e estabilidade, proximidade, afeto, preferência pelos excluídos, honestidade, convergência no essencial, alternativa entre duas áreas fortes, sustentadas e credíveis, rejeição de messianismos presidenciais – no exercício de poder ou na antecipada nostalgia do termo desse exercício – no respeito pela diferença e pelo pluralismo, na construção da Justiça Social, no orgulho de ser Portugal e de ser Português.

Foi assim, assim será.

Com qualquer maioria parlamentar. Com qualquer Governo.

Antes e depois das eleições autárquicas. Antes e depois das eleições parlamentares. Antes e depois das eleições europeias.

Antes e depois dos cinquenta anos do 25 de Abril, em 2024.

Que os próximos cinco anos possam ser mais razão de esperança do que de desilusão é o nosso sonho.

E é o nosso propósito.

Um ano decorrido sobre tanto luto, tanto sacrifício, tanta solidão.

Temos de acreditar.

Vamos acreditar.

Como escrevia Sophia de Mello Breyner: “Apesar das ruínas e da morte, / Onde sempre acabou cada ilusão, / A força dos meus sonhos é tão forte, / Que de tudo renasce a exaltação / E nunca as minhas mãos ficam vazias.”

Nunca as nossas mãos ficarão vazias!