Saltar para o conteúdo (tecla de atalho c) Mapa do Sítio
Este sítio utiliza cookies apenas para melhorar a funcionalidade e a sua experiência de utilização. Ao navegar neste sítio está a consentir a utilização dos mesmos.

Sítio Oficial de Informação da Presidência da República Portuguesa

Discurso do Presidente da Comissão Organizadora na Cerimónia Militar Comemorativa do Dia de Portugal no Peso da Régua

Queria saudar e agradecer esta celebração e organização desta festa para todos os portugueses.

Em seu nome, se me permite, gostaria de agradecer também a todos os individualidades que estão aqui presentes, nacionais e estrangeiras, e todas as entidades ao longo do Portugal e todos os portugueses que estão presentes, aqui, nesta cerimónia, e todos os portugueses na área de Portugal e fora.

Senhor Presidente,

Portugal é um dos países europeus onde a vinha tem maior implantação e diversidade vitivinícola.

A escolha do Senhor Presidente em realizar as comemorações do Dia de Portugal na região do Douro, reflete bem a sua relevância.

Sinto-me muito lisonjeado e agradecido por ter sido escolhido, sendo eu enólogo e produtor, para falar desta região, que se destaca pela sua história única, diversidade vitivinícola, impacto económico e projeção internacional.

Haverá produto português mais reconhecido, tanto a nível nacional como internacional, que o vinho do Porto? E o mesmo caminho seguem os vinhos DOC Douro. Falamos de produtos, marcas identitárias de um país que nos enchem de orgulho.

Falemos então do Douro.

Esta região é marcada por um vale profundo, encaixado num solo de xisto, formado há 500 milhões de anos. Protegida pelas serras do Marão e Montemuro, caracteriza-se por um clima mediterrânico. O solo e o clima são duas características naturais que a tornam tão única e própria para o cultivo da vinha, definindo naturalmente a sua delimitação.

Os primeiros vestígios do seu cultivo datam da Idade do Bronze, passando pelo período da ocupação romana, Idade Média, até à atualidade. Mas foi nos séculos XII e XIII, com a formação de Portugal e a chegada dos monges de Cister da Borgonha, que o conhecimento vitivinícola se aprimorou.

Outro fator determinante para o seu desenvolvimento, foi bem mais tarde, em 1756, quando o Marquês de Pombal cria a primeira região demarcada vitivinícola do mundo. Esta iniciativa foi motivada pelo aumento da procura de vinho do Porto, consequência do tratado de Metheun de 1703, que incentivou imensamente a exportação de Vinho do Porto para Inglaterra, promovendo o estabelecimento de empresas inglesas em Gaia.

É dessa influência que provêm os nomes das categorias do Vinho do Porto em inglês, tais como Tawny, Ruby, Vintage. etc.

Mas nada disto teria sido possível sem o trabalho heroico feito pelos durienses ao longo deste vale, que com a ajuda dos vizinhos galegos, transformaram a rocha mãe em terra, construindo milhares de quilómetros de muros, que nos fazem lembrar os terraços do antigo Império Inca.

Além deste enorme esforço de fabricar terra a partir da rocha, a região foi também vítima de enormes pragas, destacando-se a desastrosa filoxera. Esta última devastou as vinhas no Douro, deixando os mortórios como seu testemunho.

Mas porque é que insistimos no Douro? Uma região tão difícil de trabalhar e com rendimentos de produção tão baixos? Talvez por uma inexplicável atração telúrica...magnética! Pela sua diversidade, singularidade e qualidade. É como se depois de termos descoberto a primeira pepita de ouro, jamais pudéssemos resistir à sua inesgotável riqueza e à vontade de a lapidar.

Foram muitas as gerações de Durienses que a conceberam, bem como muitas as personalidades que trouxeram conhecimentos científicos de extrema importância, tais como o Barão de Forrester e Moreira da Fonseca, entre tantos outros.

A meio do século XX foi lapidada mais uma petita de ouro que viria a revolucionar a região: a criação do primeiro vinho DOC Douro, o Barca Velha, feito pela mão do meu pai, Fernando Nicolau de Almeida. Estava aberto um novo caminho para além do vinho do Porto, Generoso, Fino ou de Feitoria.

Em 1970, o meu pai desafiou-me a ir para França estudar enologia. Mas o que era isso? Respondendo à minha dúvida explicou-me que a enologia era a ciência do vinho. É preciso ter noção que nessa altura não havia sequer a perceção da profissão de enólogo, e muito menos o curso académico correspondente. Aceitei o desafio de bom grado, e assim parti para a Meca da enologia mundial.

Primeiro fui para a Borgonha e mais tarde para Bordéus, onde tive a oportunidade de estudar e trabalhar com grandes nomes da enologia. Aqui, em Bordéus, era a Escola de Pasteur foi o primeiro enólogo do mundo, o primeiro enólogo que começou a estudar a fermentação alcoólica. As minhas primeiras aulas – portanto, já lá vão uns tempos – nos anos 70 era ainda em conjunto com medicina pois vinha dessa era de Pasteur.

Quando regressei, pude realizar que até à geração do meu pai, salvo raras exceções, que o Douro estava separado de Gaia. As gentes do Douro sabiam de vinha e as gentes de Gaia sabiam de vinho e comércio. Os produtores durienses tratavam das vinhas de forma empírica e tradicional. Por sua vez, os de Gaia eram os provadores, que na altura das vindimas desapareciam para terras do Douro e só reapareciam dois ou três meses depois. Gaia era então o local mágico da feitoria e do blend, bem como sede das empresas exportadoras.

É a partir da segunda metade dos anos 70 que chegam ao Douro os primeiros enólogos e agrónomos com formação académica, introduzindo conhecimentos científicos modernos.

Começa então, a partir da minha geração, a haver um movimento permanente de pessoas, encurtando a distância entre Douro e Gaia. Seguidamente, o aparecimento do curso de enologia, em 1984 em Vila Real, na Universidade de Vila Real, a UTAD, foi um passo decisivo que contribuiu fortemente para esta dinâmica, fixando alguns enólogos e agrónomos na região. A criação da ADVID foi também relevante neste sentido.

No meu tempo de estudante a enologia começava a partir do corte do cacho de uvas. Na geração dos meus filhos a academia já integra em enologia conhecimentos vitícolas, seguindo o princípio de que é na vinha que se começa a fazer o vinho.

É a partir desta visão que os jovens produtores começaram a instalar-se na região, trabalhando e observando de perto as vinhas. Entendê-las é o primeiro passo para se obter um grande vinho.

Esta mobilização de pessoas contribuiu para o desenvolvimento, enriquecimento e know-how do Douro Vinhateiro. Com tantas transformações profundas, tanto a nível científico como humano, e com o apoio de programas de financiamento agrícola, a região pôs-se em marcha de forma irreversível.

E o que tem então mudado essencialmente nesta dinâmica de produção?

Como já referi, até há alguns anos atrás, os produtores/viticultores estavam de um lado e os provadores/exportadores do outro. Graças à aplicação da ciência, estas duas realidades foram-se unindo de forma progressiva. O produtor, agora viticultor e enólogo, teve também de se tornar empreendedor, comerciante, controlando o processo do início ao final.

Como consequência, observamos a uma ascensão e reconhecimento dos vinhos DOC Douro absolutamente notável. Neste momento, cerca de metade da produção do Douro é para Vinho do Porto e outra metade é para DOC Douro.

Devido ao grande sucesso mundial dos vinhos DOC Douro, a procura deste tem aumentado significativamente, enquanto, que a do Vinho do Porto se tem estabilizado e concentrado mais nas categorias superiores de alta qualidade.

Os produtores de uva, os viticultores, apesar das grandes transformações ocorridas, continuam a ser fundamentais para a dinâmica da região e manutenção do seu terroir. Para manter esta realidade é fundamental valorizar ainda mais o seu trabalho.

Mas há ainda muita pedra para partir, muitos solos para criar! Neste alucinante e veloz século XXI temos em mãos vários desafios complexos por enfrentar, sobre os quais gostaria de fazer algumas observações.

Começo por referir uma realidade nacional, não sendo o Douro uma exceção, que se trata da forte desertificação do interior, gerando falta de mão de obra e escassez de massa crítica – aqui posso fazer um parêntesis, Senhor Presidente, se pudéssemos mudar o 10 de Junho para o 10 de setembro era ótimo para a vindima tínhamos aqui gente que chegasse para a vindima.

Para atrair e fixar pessoas qualificadas a oferta de trabalho deverá ser aliciante, sendo fundamental o aumento do valor da matéria prima, ou seja, da uva, de forma a gerar mais proveitos a montante, e, consequentemente poder oferecer melhores condições de trabalho.

Face à nova dinâmica de produção, penso que seria urgente adaptar as leis à atualidade. Delinear um plano sustentado na ciência e investigação, ao serviço do desenvolvimento económico do sector e região, que garanta a sustentabilidade da mesma.

Sempre existiu um problema crónico com fortes amarras ao passado que dificultou a evolução do Douro. É natural que tendo sido um dos principais exportadores de produtos portugueses, tenha estado totalmente dependente do Estado. Mas em pleno século XXI não faz sentido manter uma administração política e burocrática com leis que não se adequam à realidade.

A região sabe cuidar de si, não fechemos a porta ao futuro, ao progresso!

Assim como acontece nas outras regiões vitivinícolas com as CVRs (Comissões Vitivinícolas Regionais), seria necessário que o IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e Porto) estabelecer uma união entre os vários agentes envolvidos do Douro e Gaia: produtores, viticultores, municípios, associações, universidades, institutos, e demais entidades têm um papel fulcral para ajudar à realização deste projeto unificador.

Quanto a financiamentos, tivemos grandes impulsos com o programa PDRITM nos anos 80, e VITIS nos anos 90. Nos anos mais recentes, o apoio à viticultura, aliás a toda a agricultura a nível nacional, tem vindo a ser descurado. Os programas de apoio caracterizam-se pelo excesso de tecnocracia, burocracia, tornando-se de muito difícil acesso, sobretudo a agricultoras de pequenas dimensões. São programas desajustados da realidade e das necessidades do sector. De tal forma que Portugal devolve montantes significativos de financiamento por falta de candidaturas.

Entretanto, começou a tornar-se evidente o efeito das alterações climáticas e o seu impacto na previsibilidade dos fenómenos atmosféricos. O estabelecimento de enólogos e agrónomos perto das vinhas, contribuiu para a aplicação de novas perspetivas e abordagens. Foi então que se introduziu alguma produção biológica e biodinâmica, infelizmente ainda com pouca expressão, embora sejam essenciais para o futuro e sustentabilidade da região.

Estas novas perspetivas de tratar a vinha e o vinho estão totalmente dependentes de observações locais, e de forma alguma poderão estar sujeitas a leis gerais, como se fazia no passado.

A viticultura atual de qualidade exige ações atempadas que estão dependentes das decisões a efetuar pelo próprio produtor. Só o viticultor, o enólogo, que está perto da vinha o ano inteiro, é capaz de saber as intervenções que tem a fazer, qual o tipo de vinho que pretende, quais a quantidades, etc. É ele que mantém o terroir.

Potenciando o trabalho que tem sido desenvolvido, não só do ponto do vista técnico, mas também do ponto de visita da promoção e comunicação, temos hoje uma nova realidade, o enoturismo de excelência, que tem crescido substancialmente nos últimos anos. É um novo mercado que se abre, uma nova ferramenta de divulgação dos nossos vinhos, da nossa região.

Em 1996, foi inscrito na lista de Património Mundial UNESCO o Centro Histórico do Porto, o Mosteiro da Serra do Pilar e a Ponte D. Luiz I que os interliga.

Em 1998, foi a vez dos sítios de arte rupestre do Vale do Côa. O reconhecimento do seu valor histórico e patrimonial presidiram à criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa e mais tarde, o Museu do Côa.

Seguiu-se o reconhecimento do Alto Douro Vinhateiro na categoria de Paisagem Cultural Evolutiva e Viva, que felizmente tem sido acolhido e representado pelo Museu do Douro. Assim, neste eixo entre Gaia e Douro, temos uma densidade de valor patrimonial classificado pela UNESCO fora do normal.

As cidades que presidem ao encontro do grande rio com o mar, Porto e Vila Nova de Gaia, são hoje lugar de fascínio para o turista, que cada vez mais sobe rio acima até ao Douro e Côa.

Só falta mesmo a recuperação da linha do Douro até Espanha!

Enfim, são pepitas atrás de pepitas que se vão revelando e afirmando ao mundo. O velho e afamado vinho do Porto abriu-nos as portas para o mundo. Continuemos a desbravar novos caminhos, tendo sempre em mente o passado, sendo dinâmicos no presente, com uma visão para o futuro.

Termino citando a famosa frase de Lavoiser...

“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo

se transforma”.

Viva a gente do Douro!

Viva o pessoal todo que está aqui dentro e fora!

Muito obrigado, Excelências

Muito obrigado, Senhor Presidente.