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Sítio Oficial de Informação da Presidência da República Portuguesa

Discurso do Presidente da República na Tomada de Posse do XXV Governo Constitucional

Excelências,
Portugueses,

As eleições de 18 de maio foram claras nas lições que nos deram.

Primeira lição – Não se confirmou a previsão de que os portugueses estavam condenados, por fadiga, a desinteressarem-se de votar e a abstenção destinada a subir sempre e em flecha.

Aos apelos para votarem, aos debates e às campanhas, os portugueses responderam afirmativamente.

E, apenas com uma ligeira subida da abstenção do ano passado, votaram de forma significativa, no território nacional. Nas Comunidades, como sabemos, até haver o cuidado de esclarecer o sistema, a votação continuará a ser crescente, mas ainda simbólica.

Segunda lição – Tendo a causa inicial e, para muitos, determinante das eleições, sido a de saber se o Primeiro-Ministro merecia ver renovada a vitória de 2024, atendendo a juízos éticos ou morais, de integridade ou idoneidade, os resultados mostraram que o juízo coletivo reforçou a confiança política nele, numa campanha que se afirmou, junto dos seus apoiantes, por elevar a personalização a elemento decisivo de escolha eleitoral.

Ou seja, podendo cada qual – votante, candidato ou partido –, ficar na sua opinião – positiva ou negativa – sobre a matéria, os resultados revelaram que os portugueses não consideravam que esses juízos eram de molde a deixar de renovar e reforçar a escolha daquela força política, e daquela mensagem personalizada no Primeiro-Ministro. Falo de juízos políticos, porque os de ordem jurídica, do foro judicial, não estavam em apreciação.

Terceira lição – O reforço eleitoral na coligação vencedora também demonstrou que, tudo somado, os portugueses – comparando a candidatura com as demais – a preferiram, e avaliado o desempenho durante onze meses, não acharam que se justificasse ser punida, antes credora de maior votação.

Quarta lição – Os portugueses não deram, porém, nem ao vencedor sozinho, nem à eventual soma com o mais próximo partido de centro-direita, maioria absoluta de votos, nem de mandatos.

Foi uma vitória impressiva, por ser com apenas onze meses de Governo, pela carga decisiva do juízo ético ou moral que estava em causa, pela divisão da chamada direita, e pela acrescida complexidade no derrube do Executivo, mas não foi um cheque em branco, se é que as maiorias absolutas, elas próprias, são cheques em branco.

Ou seja, os portugueses premiaram o que consideraram melhor, ou mais seguro, ou menos arriscado de todos os caminhos, mas sem quererem converter o crédito adicional em crédito ilimitado, o incentivo à prossecução da obra iniciada em poder absoluto, ou a humildade e empatia em auto-centramento, ou menor abertura a outras lições do ato eleitoral.

Quinta lição – Os portugueses penalizaram a força política que havia governado Portugal, desde 1995 e até 2024 – quase trinta anos, salvo dois períodos um de três, outro de quatro anos – e que conseguira praticamente igualar o vencedor em 2024.

O fenómeno não é novo na nossa Democracia. O partido-pilar do centro-esquerda e o seu lider haviam vencido a Revolução, na vertente civil, e sido os primeiros a governar em Democracia constitucional.

E, no entanto, após dois curtos Governos e mais três de iniciativa presidencial, foi o partido-pilar de centro-direita, de início em coligação com dois outros da mesma área, e, depois, longamente sozinho, a governar Portugal, entre 1979 e 1995, a caminho de dezasseis anos, salvo dois de Bloco Central, em que também estava, mas sob a chefia de Primeiro-Ministro de centro-esquerda.

E, após esse ciclo de centro-direita e direita, estes passariam à oposição, por quase trinta anos – tirando sete, atrás mencionados –, e, durante eles, o centro-esquerda sozinho, ou com apoio parlamentar da restante esquerda, governou Portugal.

As eleições de 2024 e 2025 mostraram o fim desse ciclo e um virar de página, agora mais pronunciado.

Ou seja, as fórmulas, as forças políticas e as lideranças não são eternas e, a um ciclo de um lado, sucedeu, na nossa Democracia, várias vezes, um ciclo de lado oposto ou diferente, como forma de mudança, ou, se se quiser, de vivência da própria Democracia.

Sexta lição – Mas, os portugueses não se limitaram a substituir, mais claramente este ano, um ciclo por outro.

Essa mudança inseriu-se numa evolução europeia, que chegou mais tarde a Portugal, de enfraquecimento dos partidos clássicos perante novas realidades políticas. Processo começado na Europa, pelo menos, há vinte anos.

Entre nós, com Democracia mais jovem, há menos tempo.

Na Europa, os chamados moderados de centro-direita e centro-esquerda começaram, mais cedo, a perder peso – e a dividirem-se – e forças novas ou renovadas, mais radicais, a subir, progressivamente.

Num primeiro momento, este sinal foi compensado pelo outro pilar do sistema – o centro-esquerda, a compensar a crise do centro-direita, o centro-direita, a compensar a crise do centro-esquerda. Ou pela formação de coligações ou meros acordos políticos entre os grandes partidos tradicionais.

Depois, caíram ambos e subiram novas forças.

Esta tendência, já visível na Europa, na primeira década do século XXI, conheceu novo e decisivo ímpeto com a eleição do Presidente Donald Trump, em 2016, na gestão do tempo político, no uso das redes sociais, no estilo de liderança, na ligação direta ao eleitorado, esvaziando os corpos intermédios da democracia representativa, assumindo, ao mesmo tempo, a concentração do poder no sistema e as mensagens contra esse sistema.

Apoiou, entretanto, forças europeias, antissistema ou à margem dele, designadamente as que promoveram a saída do Reino Unido da União Europeia e levaram ao Brexit.

Geopoliticamente, o eleger a União Europeia como adversário económico e o tirar partido das debilidades dos sistemas políticos europeus acabou por provocar uma convergência objetiva com a Federação Russa.

A reeleição, em 2024, do mesmo Presidente, internamente mais forte, permitiu-lhe potenciar o anterior crescimento, por quase toda a Europa, de forças políticas e sociais na mesma linha. Vaga ainda em ascensão, apesar da divisão em duas famílias no Parlamento Europeu.

Hoje, o que alguns cientistas políticos qualificam de Trumpismo cruza-se com orientações similares, no poder em Estados latino-americanos e europeus.

Em Portugal, 2017 e 2018 marcaram a chegada do mesmo fenómeno.

2017 – divisão da anterior coligação de centro-direita e direita, derrota autárquica e saída da liderança antes unificadora.

2018 – divisão do partido pilar do sistema no centro-direita e direita por quatro, dos quais três mais representativos, o próprio e dois deles autonomizados, desequilíbrio acrescido do sistema para a esquerda, onde, desde 2015, se formara uma fórmula governativa de centro-esquerda, com apoio parlamentar da restante esquerda.

Ainda em 2018, multiplicação de sindicatos independentes das centrais sindicais e movimentos laborais inorgânicos, revelando crise no sistema de parceiros sociais.

Depois de ter chamado a atenção, em 2017, para o efeito sistémico da divisão à direita, não compensado pela unidade da esquerda, nem pela ocupação do centro pelo centro-esquerda, na sessão da Assembleia da República comemorativa do 25 de Abril, em 2018, apontei a iminente chegada a Portugal da vaga europeia, de movimentos sociais e políticos inorgânicos e ditos populistas.

O que foi considerado por decisores-chave mais otimistas como mera “pintura abstrata”, a seu ver incompreensível perante o quadro nacional.

2019 e anos seguintes, até hoje, confirmaram a fragmentação do centro-direita e da direita em geral, a redução do papel de duas forças médias da origem do sistema, e, a seguir, de outras que haviam emergido. Mais recente o fim de ciclo governativo e duas vitórias do centro-direita, uma vez tangencial, outra reforçada, ao mesmo tempo que crescia formação análoga à vaga europeia de génese antissistémica, ou assistémica, atingindo, em 2025, a liderança da oposição parlamentar.


Excelências,

Tudo isto se passou, na Europa, mais cedo e lentamente. Em Portugal, mais tarde e mais aceleradamente.

Porque Portugal também mudara muito e muito rapidamente. De 2017 a 2019, os problemas mais urgentes a resolver ainda eram o termo do processo de défice excessivo nas contas do Estado, a crise do sistema bancário e a descoberta de um País esquecido com a tragédia dos fogos florestais.

Ora, o sistema, embora descaído à esquerda, resistiu ou pareceu resistir. E vencer. Em 2019 augurava-se mesmo, no início, o crescimento e o emprego há muito esperados.

2020 e 2021, tal como na Europa, foram a pandemia, a paragem da economia, o desemprego, o choque sanitário. O sistema uniu-se, em emergência nacional, e voltou a resistir. E a vencer.

De 2022 até 2024 e 2025 foi um galope.

O envelhecimento prosseguiu sem inversão.

O rearranque económico, mais três lentos anos de reestruturação dos serviços de Estrangeiros e Fronteiras, geraram um salto da imigração por regularizar, sem noção do seu cabal alcance, embora percebendo-se que a maioria clara era de falantes de português, e, neles, de brasileiros e de comunidades cristãs.

Turismo residencial explodiu e adquiriu habitação por todo o território nacional.

Também porque a Guerra convertera Portugal em ilha ainda mais segura, ao mesmo tempo europeia e atlântica.

Estruturas sociais, então, tremeram. Educação com menos nacionais, mas várias dezenas ou mais de uma centena de nacionalidades, em múltiplos estabelecimentos de ensino, a exigir novos contextos e meios de formação. Saúde a tentar recuperar os dois anos de Covid-19 e a ter de acomodar mais procura, novas ofertas e reforçar um imprescindível Serviço Nacional de Saúde com décadas como corajosa coluna vertebral do Sistema, e novos esboçados, mas por concretizar, estatuto, estrutura e gestão. A habitação a não acompanhar o crescimento populacional e a sofrer o disparar de preços pela mão de setores externos mais abastados. Administração Pública e Justiça descompensadas, porque concebidas para décadas já decorridas.

Isto, mais a criação de uma tensão crescente em quem sabe ao mesmo tempo que a economia e a sociedade precisam de mais abertura, circulação de pessoas e mão de obra, mas adere, instintivamente, ao medo, à incompreensão e à rejeição perante os que entraram, apesar de muitos se terem integrado em criação de emprego e contribuições para a segurança social. Mas, tudo tão depressa, tão inesperadamente, que mudara o Portugal dos anos 80, 90 e início do século XXI. E mudava, agora, os seus hábitos de vida.

Finalmente, fundos europeus que podem ajudar a crescer e a atenuar tensões, a demorarem, teimosamente, a chegar às pessoas, de 2022 em diante.


Senhor Primeiro-Ministro,

Portugal mudou. O sistema político, partidário e de parceiros sociais que resistira aos choques dos anos da troika, do pós-troika, da pandemia, começou a fragilizar-se depois, e, com ele, a alterar-se o perfil e a importância dos protagonistas políticos e sociais.

Vossa Excelência, Senhor Primeiro-Ministro, conhece tudo isto.

Conhece e tentou fazer o seu melhor para manter as contas certas herdadas, o desemprego baixo e o crescimento estabilizado, e ir ao encontro do mais urgente por resolver.

Sarar feridas, cumprir promessas, aquietar, ainda que, nalguns casos, simbolicamente, setores desesperançados, na Educação, na Saúde, nas Forças Armadas, nas Forças de Segurança, na Administração Pública e na Justiça.

Agora, a meta de Vossa Excelência é bem mais ambiciosa.

Quer ir e tem de ir à raiz estrutural do que precisa de se ajustar ao novo Portugal.

Acelerando o uso dos apoios europeus. Estimulando investimento e exportações. Assim contribuindo para aumentar o poder de compra, portanto, os salários dos Portugueses. Não esquecendo os mais pobres e excluídos. Mudando sistemas e orgânicas encravadas ou necessitadas de perspetiva de futuro, nomeadamente na Saúde, na Habitação e mesmo nalguns setores da Educação. Enfrentando guerra e fazendo paz, com mais despesas em defesa e mais dever de manter consistência solidária e apoio constante quanto à Ucrânia e sobressalto humanitário e político quanto ao Médio Oriente.

Sem maioria absoluta. Mas maioria reforçada e com abertura das oposições, e, nelas uma, a mais antiga, ainda mais votada, e a que tanto se deve na criação da nossa Democracia, e outra, agora emergente, que mobiliza muitos dos menos jovens mais desiludidos e muitos dos mais jovens portadores de mudanças também mais radicais, que lidera as bancadas parlamentares.

Vossa Excelência já demonstrou que é determinado e resistente, mesmo na equipa que mantém e retoca, e decidido a converter o que parecia impossível em possível.

Conta com a solidariedade deste Presidente da República até ao fim do respetivo mandato.

Conta com a afirmada abertura parlamentar para o diálogo com vista à estabilidade e a durabilidade. E com um Presidente da Assembleia da República, para tal, amplamente legitimado.

E conta com a expetativa do Povo. O que votou em si. E muito do que não votou. Todo ele só ganha se tiver êxito na sua caminhada para uma legislatura. Uns, porque veem a confiança confirmada. Outros, porque sabem que não há tempo, nem espaço, para não ter esse êxito.

Ao fim e ao cabo, a governação de Vossa Excelência – e digo Vossa Excelência porque esta vitória é personalizada na eleição que acabámos de viver – é chamada a comprovar, Vossa Excelência desde já, que o essencial de Abril permanece, em Liberdade, Democracia e Justiça Social e que esse Abril é capaz de entender e dar futuro a um Portugal muito diferente daquele de 1974.

Que a sua entrega, o seu empenho, a sua visão, a sua resiliência, a sua permanente confiança nos Portugueses e em Portugal, sejam coroadas de sucesso.

Esse é o meu voto, muito sincero.

E, creio, é o voto muito sincero de muito Portugal!

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