Saltar para o conteúdo (tecla de atalho c) Mapa do Sítio
Este sítio utiliza cookies apenas para melhorar a funcionalidade e a sua experiência de utilização. Ao navegar neste sítio está a consentir a utilização dos mesmos.

Intervenção da Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 2021, Maria do Carmo Caldeira

Senhor Presidente da República, Altas Entidades,
Portuguesas e Portugueses,

Quando passam 600 anos dos Descobrimentos das ilhas do Porto Santo e da Madeira, é com enorme honra e reconhecimento que recebemos a escolha da Região Autónoma da Madeira e da cidade do Funchal como local das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Será pertinente, ao assumir aqui a condição transitória de porta-voz, enquanto mera cidadã comum, oferecer-vos uma breve apresentação:

Sou filha de um médico com preocupações filosóficas e de uma Mãe lutadora que optou por se dedicar à família. Cresci numa casa onde partilhávamos gerações. A educação não era só por palavras ditas. Havia exemplos. Havia livros. E histórias. E olhos brilhantes de curiosidade. Sinto o privilégio de pertencer a uma família que olhava para os filhos como seus, mas também como membros de um grupo onde teriam de agir com responsabilidade e empenho. Com conhecimento e alma.

Treinei desde cedo, quando passava tardes de verão à espera que o meu pai, pediatra, atendesse no final do dia, a minha boneca queixosa. Aprendi a aguardar a minha vez, a conviver com pessoas com dificuldades, muitas sem saber ler, falar ou escrever segundo o cânone. Aprendi a observar, a ouvir, a cuidar.

Recebi o meu primeiro diploma na área da saúde no dia em que completei 18 anos na Coluna de socorro Henry Dunant. Na formação médica e na minha especialidade de cirurgia fomos confrontados com uma outra pandemia, a VIH/SIDA. Foi, seguramente, uma oportunidade para desenvolver capacidades de adaptação e aprendizagem em circunstâncias desconhecidas e especiais.

Outros momentos houve em que intervim, ao lado dos profissionais de saúde, da Proteção Civil e das Forças de Segurança, no apoio às populações assoladas por temporais, incêndios e outras catástrofes.

“Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana (...) pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão.” João Lobo Antunes soube colocar em palavras o que também a mim me vai na alma.

Confesso que, com um bisturi na mão, me sinto bem mais à vontade do que neste púlpito.

Em representação dos profissionais de saúde, assumo o papel de um todo que, na saúde, não prescinde da intervenção inevitável de toda a sociedade no cumprimento dos seus deveres de cidadania.

Sinto-me especialmente lisonjeada por representar aqueles que o Senhor Presidente da República considera terem tido um “heroísmo ilimitado a fazer de carências e improvisos, excelência e salvaguarda de vida e saúde”.

Neste ano de 2021, comemorar Portugal em data certa, pré-inscrita no calendário, poderia correr o sério risco de parecer um caso de desânimo votado ao desinteresse geral. Esforcemo-nos por contrariar esse desfecho.

Lembremos Camões, mesmo que por um dia. Saudemos a sua capacidade de louvar a força e a vontade lusitana de enfrentar o desconhecido.

Enterneçamo-nos com a certeza de que as Comunidades Portuguesas no mundo, neste dia, estão mais próximas.

Vivemos num sobressalto, cujo horizonte só agora vislumbramos, num grande medo coletivo, como sucede sempre que se joga um jogo de cujo resultado dependemos, mas cujas regras nos são desconhecidas.

Mas fomos e somos audazes. Estarmos aqui é prova disso. Se a sagacidade de Agustina nos valer e inspirar seremos talvez capazes de, como ela, afirmar que “O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo”.

Saber o que está certo, não é um dom, é antes fruto de um trabalho;
saber o que está certo é um modo humilde de pensar, porque comporta o erro, afastando-o;
saber o que está certo não tem preço, não merece aplauso nem assentimento, perspetiva o que é exato no seu tempo próprio e no espaço que lhe pertence.

De cada vez que isto acontece, serenamente, estamos a comemorar Portugal.

Estamos na “...Ilha da Madeira,
que do muito arvoredo assim se chama...”

Juntamente com o Porto Santo, Desertas e Selvagens, formam um Arquipélago com gente humilde, estoica e valente. Trabalhadores incansáveis e determinados a sobreviver numa terra desafiadora.

Tornámo-nos um espaço permanentemente aberto ao Mundo, indissociavelmente ligados ao mercado e ciclos económicos do açúcar e do vinho.

As aprazíveis condições climatéricas das nossas ilhas proporcionaram, nas diversas pestes que assolaram o Mundo, designadamente a “tísica”, o acolhimento de cidadãos nacionais e estrangeiros relevantes, na Política, nas Artes, na Sociedade, o que, possibilitou os primeiros passos para a consolidação e valorização do turismo, primeiro com expressão terapêutica e, posteriormente, de lazer.

Entre outros momentos de relevo na educação, na Madeira, merece destaque a Escola Médico Cirúrgica do Funchal, nos finais do séc. XIX.

Mais recentemente, têm sido dados importantes passos no ensino, nomeadamente no superior, com a abertura da Universidade da Madeira em 1988 originando expansão cultural a partir deste pequeno território.

Caberá aqui enfatizar o conjunto de dificuldades acrescidas inerentes aos insulares, cujo reconhecimento originou o estatuto de regiões ultraperiféricas, procurando, assim, colmatar os prejuízos acarretados pela insularidade e transversais à vida dos residentes nomeadamente na Educação e na Saúde.

Estamos também no meio do oceano.

Um oceano que nos fez grandes e que é urgente preservar.

De água se veste maioritariamente a paisagem portuguesa, território que, sendo líquido, deu solidez construtiva a tantos séculos de intercâmbios.

Vale a pena realçar o enorme contributo das Regiões Autónomas para a vasta Zona Económica Exclusiva de que o País dispõe.

Um oceano que aproxima e afasta. Por ele navegámos, levámos e trouxemos palavras, genes, espécies vegetais e também bactérias e vírus.

Foi o mesmo mar que, ao longo da história, levou o nosso mundo ao mundo, em vagas sucessivas de madeirenses e porto-santenses, à procura de uma vida mais digna. A Venezuela, a África do Sul, o Brasil, o Curaçau, o Reino Unido e muitos outros lugares ostentam a marca sólida das gentes da Madeira. Estes, e seus descendentes, constituem uma comunidade que é bem maior que a dos residentes.

Então, fomos capazes de disseminar a língua portuguesa.

Agora, também com a contribuição dos novos instrumentos nos meios digitais, seremos capazes de fortalecer a língua viva junto da nossa diáspora, facilitando a integração dos luso-descendentes e estendendo a nossa Portugalidade, pois, como disse Fernando Pessoa: “Minha Pátria é a língua portuguesa”.

A partir dos Descobrimentos, os portugueses disseminaram-se por vários continentes proporcionando intercâmbios genéticos globais.

Mas os Descobrimentos que semeiam as gentes, também recolhem moléstias, e é a partir deles que se assistiu a um aumento exponencial de doenças infeciosas tornadas epidemias.

Doenças desconhecidas, que exigem pesquisas cuidadas, metódicas e céleres.

Termos a humildade de nos confrontarmos com o facto da ciência nem sempre nos dar respostas, é condição fundamental já que a ciência ensina a fazer perguntas e, muitas das vezes, não nos dá respostas definitivas.

Nas palavras da cientista portuguesa Maria de Sousa, também ela injustamente vítima de Covid-19: “O que me vai impressionar sempre é o que não se sabe”.

O que não se sabe poderá desorientar-nos, afastar-nos do essencial, colocar-nos sob a ameaça de informações não credíveis como acontece, por exemplo, em algumas redes sociais.

As pandemias sempre exigiram grandes esforços de gestão que não aconteceram sem conflitos, revoltas e desentendimentos.

Ricardo Jorge, juntamente com Luiz da Câmara Pestana, ilustre médico e cientista madeirense, responsáveis por identificar a Peste Bubónica no Porto em 1899, viu o seu trabalho notável ser recebido com grande ira pela população por tentar instalar, na época, um cordão sanitário. Alvo de fortes críticas e perseguições violentas, mudou-se para Lisboa, fugindo da fúria popular e acabando por desempenhar um papel fulcral na gestão da Gripe Pneumónica, em 1918.

No rescaldo desta pandemia, assistiu-se a uma notável melhoria nos serviços de saúde, a uma expansão da pesquisa médica e a uma aproximação à Natureza.

As pandemias desequilibram as sociedades, sendo precisos os cuidados médicos, evidentemente, mas também a coordenação, a logística, a comunicação. O importante contributo das Forças Armadas tem sido crucial em diversos cenários de crise.

A pandemia de Covid-19 provocada pelo vírus SARS-CoV-2, para além das vítimas causadas, a que presto a minha pública homenagem, suspendeu as nossas vidas, os nossos afetos, interrompeu os nossos sonhos, o futuro dos jovens, acentuou o isolamento dos anciãos.

O enorme esforço feito por todos os trabalhadores da saúde e por todos os que acolheram, com dedicação e profissionalismo, os doentes e famílias aflitas, representa o que de melhor a nossa lusa comunidade possui.

Viver e trabalhar nesta tormenta representa suor, resistência, horas de sono adiadas e a esperança de que todos respeitem o enorme esforço entretanto despendido.

Não poderá haver lugar a apatias e desânimos, há que mobilizar e dinamizar todos os esforços. A gestão da pandemia implica o trabalho de todos e a responsabilização das consequências das decisões tomadas.

As desigualdades e o grau de disrupção social evidenciados pela pandemia obrigam-nos a um maior zelo, reflexão, mobilização e estudo na preparação de políticas estruturais para o futuro.

A crise pandémica veio reforçar a relevância do conhecimento, a consciência da interconexão entre as diversas formas de vida do planeta único.

Como nos diz o Cardeal Tolentino Mendonça:

“(...) Temos atuado como se estivéssemos sozinhos no planeta e esquecemo-nos de que partilhamos, com as outras criaturas, ambientes, potencialidades e… também vírus.”

As alterações climáticas, a presente pandemia e as futuras, exigem abordagens inovadoras, consequentes e urgentes, que integrem o animal humano no ecossistema do planeta que é a nossa casa.

Enfrentamos tempos de incerteza em que cada um tem um papel a desempenhar para garantir a sua saúde e a dos demais.

Saúde é preparar, cuidar, educar e isso pressupõe capacitar, habilitar, responsabilizar. Desenvolver em cada indivíduo um modo de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, discernimento e autorresponsabilidade, tal como preconizado por Jacques Delors.

Responsabilizar, através da Educação, é o que nos vai permitir fazer face a futuros momentos de crise locais ou globais.

Tenhamos nós a sabedoria para integrar saberes e coordenar ações para que vivamos mais protegidos e consigamos enfrentar e debelar surtos, epidemias e pandemias.

Saúde é Aprender, não só a viver dentro dos recursos finitos da Terra, mas é também a aprendizagem de como partilhá-los de forma mais equitativa.

E, justamente por isso, Não, não pode ficar tudo como antes;

Sim, teremos que reconstruir, que reintegrar, que educar; que plantar a curiosidade e o sentido crítico.

Sim, Educar é um imperativo na saúde!

Finalizo com um desafio à sociedade portuguesa e aos governantes quando Portugal está prestes a completar 900 anos.

É absolutamente urgente iniciar programas ousados e eficazes que nos conduzam à sustentabilidade na Saúde, na Segurança Social, no Planeta.

É nossa obrigação não deixar estas questões suspensas para as gerações vindouras.

Senhor Presidente da República, muito obrigada por me ter dado a palavra e a todos, muito obrigada por me terem ouvido.

Relacionados